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Saúde mental

Burnout: como professora paraibana descobriu e superou o esgotamento no trabalho

Síndrome do Esgotamento Profissional acomete 30% dos 100 milhões de trabalhadores brasileiros

Por Dennison Vasconcelos Publicado em
Sintomas da síndrome vão além do quadro considerado de cansaço extremo.
Sintomas da síndrome vão além do quadro considerado de cansaço extremo. (Foto: Reprodução/Freepik)

Cansaço extremo e fadiga mental são características cada vez mais comuns aos trabalhadores e líderes de lares desde o início da pandemia da Covid-19. Esses fatores podem significar um dos problemas mais intensos na sociedade atual: a Síndrome do Esgotamento Profissional, popularmente conhecida por Burnout. Dados da International Stress Management Association (Isma) reverberam que o Brasil é vice-líder no ranking global em número de casos da doença.

Reconhecida como patologia ocupacional desde 1º de janeiro de 2022, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a síndrome parece estar cada vez mais presente nos ambientes de trabalho. A doença acomete 30% de 100 milhões de trabalhadores brasileiros, de acordo com pesquisa da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt).

Entre os pacientes com diagnóstico na Paraíba, está a professora e escritora paraibana Aline Cardoso, que chegou a ser demitida um tempo após revelar a descoberta da doença e solicitar a diminuição da rotina em uma escola. Aline descobriu a patologia durante a pandemia, em 2020, quando, segundo ela, percebeu que "enfrentava algo que fugia da ordem normal da rotina”. Hoje, os traços do burnout estão descritos em seu quinto livro denominado 'Meu coração é uma cômoda de muitas gavetas'. A obra está em processo de editoração e será lançada em breve.

O psiquiatra João Luiz explica que a doença caracteriza-se por “sinais e sintomas que basicamente trazem prejuízos e disfuncionalidades ao indivíduo acometido”. O perfil dos pacientes envolve, quase que na totalidade dos casos, “uma rotina muito estressante no trabalho. Não só de horas acumuladas, mas também de perseguições em ambientes hostis.”.

Aline lembra que a primeira vez que percebeu-se diante do quadro "aparentemente atípico" quando passou apresentar episódios de cansaço e esgotamento ao fim do dia. “Minhas rotinas e obrigações foram todas somadas. Por ser professora, dava aula nos turnos da manhã e tarde, além das obrigações domésticas, sou mãe solo e enfrentava um divórcio. Somado a isso, estava na fase de revisões da minha dissertação”, disse. A professora sentiu o impacto das cobranças.

“Foi uma carga muito grande pra minha cabeça. Passei a sentir características da síndrome do esgotamento em relação ao trabalho e a qualquer coisa que fosse fazer. Já começava cansada, com energia baixa e muito desespero”.

Os sintomas da síndrome vão além do quadro considerado de cansaço extremo – e há uma diferença entre cansaço e burnout. O médico João Luiz resume que todos os trabalhadores sofrem com sintomas de cansaço. E este considerado cansaço extremo geralmente é recuperado com uma noite de sono ou período de descanso. Neste caso, dor de cabeça, olhos lacrimejando e desconfortos são comuns.

Quando buscar atendimento?

Um quadro de burnout implica em fatores. “Não conseguir ir ao trabalho, desenvolver sintomas depressivos, ansiosos, exaustão extrema", revela o psiquiatra João Luiz. Em muitos casos, o poder de sociabilidade diminui. "É nesse momento que deve-se procurar o atendimento com ajuda médica, o profissional vai examinar, identificar, diagnosticar e direcionar o tratamento. Aí entra o psicólogo, o tempo de descanso, o período de afastamento - que seria a conduta mais indicada. É nesse momento quando se faz necessária o ato de recarregar a bateria para voltar a sua função”, completou.

Aline Cardoso conta que sentiu "esgotamento, confusão mental, insônia, instabilidade emocional e fragilidade para lidar com situações de estresse e pressões". Qualquer tipo de tarefa que exigisse muito dela a deixava completamente exaurida. "Eu precisava de mais tempo para descansar e estar pronta para o dia seguinte. E não importa o quanto você descanse o corpo, pois não é só o corpo, é parte mente também. E ela [burnout] influi muito no desenvolvimento do corpo. Acaba sendo psicossomático. É um mal estar geral", informou.

A busca por atendimento especializado fez diferença. "Minha terapeuta foi fundamental no fechamento deste diagnóstico. A partir daí desenvolvemos estratégias para compreender o que se passava na minha mente e aprender a respeitar o fluxo. Apesar de ter uma mente muito ativa, ela precisa ser freada para não chegarmos no esgotamento. Isso foi fundamental até para ter um respaldo clínico e científico para apresentar meu antigo chefe que desenvolveu uma patologia mental em função do excesso de trabalho".

Família

O Portal T5 também buscou a psicóloga Valéria Nicolau, que reforçou a ajuda da família. "A família tem um papel essencial neste processo. Burnout é relacionada ao trabalho, onde passamos maior parte da nossa vida. Ao chegar em casa, a presença de uma rede de apoio vai auxiliar no modo com que a pessoa vai reagir ao tratamento. É preciso estender o ombro, o apoio e incentivar a qualidade de vida melhor", revelou.

Ainda segundo a especialista, um dos focos do tratamento do burnout é devolver qualidade de vida aos pacientes. "Fazer com que a pessoa estabilize e tenha uma rotina de trabalho melhor. Isso é possível com tratamento adequado".

Questionada sobre a experiência de participação familiar no processo, Aline Cardoso ressaltou a importância e apoio do elo. “Minha família me ajudou no processo ficando principalmente com minha filha ao menos nos fins de semana para que eu reduzisse a sobrecarga. Meu atual companheiro também foi fundamental no processo, ajudando a entender que eu precisava descansar. Eu só pensava em trabalhar, trabalhar, trabalhar. Quando descansava me sentia atrasada, como alguém perdendo tempo, ou que eu não deveria estar descansando porque alguma coisa esperava por mim. Eu não considerava os tempos de pausa. Não tomava água e nem comia até deixar uma tarefa. A cobrança, de fato, era muito grande. Eu tinha que estar sempre ali. Trabalhava aos sábados, domingos e feriados".

Preconceito

Aline revelou que, quando pessoas foram informadas sobre o quadro de burnout, não tinham conhecimento sobre o que era. "Para elas era só cansaço e que eu precisaria só de um tempo para dormir e me recompor. Mas, é necessário mais que sono. É preciso também reduzir a carga para que a cabeça possa recuperar o estado de tranquilidade e compensação".

Ela também ampliou a discussão, incluindo questões da vivência do povo preto:

"É um adoecimento muito presente, inclusive, em pessoas negras. Já que precisamos provar o tempo todo nossa competência, nossa capacidade… Isso nos leva ao adoecimento psíquico".

Cura, livro e experiências

Burnout tem cura que passa por atendimento multidisciplinar. Psiquiatras, psicólogos e terapeutas ocupacionais são fundamentais para reversão dos quadros e melhora de vida. A partir da ajuda especializada, Aline saiu do processo mais fortalecida. "Passei a poupar minhas energias e respeitar meus processos de descansos, além de entender aquilo que me faria descansar", pontuou.

Agora, temas como burnout, esgotamento e maternagem solo estão presentes em seu quinto livro, o 'Meu Coração é Uma Cômoda de Muitas Gavetas'.

"São questões que faço o apreço de colocar nesse novo trabalho até como forma de levar informação às pessoas. Até porque existe muito preconceito em torno das patologias da mente e as pessoas sempre acabam por colocar todo mundo numa caixinha de desajustados. Elas fingem não ver para se colocar lounge da discussão. Por isso faço questão de colocar para as pessoas se compreenderem frente ao tema e passarem até pelo processo de autoconhecimento", lembrou.

A professora também afirmou que hoje as pessoas lhe procuram em busca de encaminhamentos a respeito do burnout.

Com relação ao tempo de cura, o psiquiatra João Luiz esclareceu que não se pode precisar, especificamente, com quanto tempo ela ocorre. O tratamento também varia a depender dos casos. Há circunstâncias em que a medicação é necessária e outras não.

Serviço gratuito

João Pessoa conta com a Rede de Atenção Psicossocial (RAPs), serviço que tem como objetivo garantir assistência especializada e gratuita à população no acolhimento à questões da saúde mental. A busca por tratamento tem como porta de entrada a Atenção Básica, por meio das equipes de Saúde da Família. De lá, o paciente é encaminhado para a Atenção Especializada e, ocorrendo a necessidade, à Rede de Urgência e Emergência.

Nas policlínicas municipais, por exemplo, acontece o acompanhamento psicológico, psiquiátrico e neurológico, a partir de encaminhamento pelas unidades de saúde da família (USFs).

Image by Freepik

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