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Nova cracolândia de João Pessoa é na praia

Vulnerabilidade da população em situação de rua gera consequências nos ambientes, muitas vezes, ocupados pelo tráfico e a dependência

Por Cristiano Sacramento Publicado em
Local é repleto de pessoas em situação de rua
Local é repleto de pessoas em situação de rua (Foto: Reprodução)

A população em situação de rua na capital paraibana impacta a rotina de comerciantes e turistas. A orla é uma das regiões onde o fenômeno está evidente, especialmente entre as praias de Tambaú e Manaíra. Na área estão importantes pontos turísticos da cidade - como a feirinha gastronômica de Tambaú, o Largo da Gameleira, o Centro Turístico - além de hotéis, peixarias, cafés e lojas de artesanato.

Os espaços destinados ao fortalecimento de aspectos locais, aos poucos, comprovam a manifestação da desigualdade social. Entre a dependência química, quesito de saúde pública, são fortes as consequências do tráfico e das violências que ele acarreta. Os efeitos extrapolam e atingem toda a sociedade.

Não é preciso andar muito para ouvir relatos de quem já presenciou ou sofreu algum tipo de violência patrimonial praticada por algumas pessoas em situação de rua. E mais, abordagens com pedidos diversos fazem parte do cotidiano local.

Denominada popularmente como ‘a nova cracolândia’, o complexo formado por trechos das avenidas Antônio Lira, Izidro Gomes, Ruy Carneiro, Coração de Jesus e ruas Olinda e Targino Marques apresenta um cenário em comum: dezenas de pessoas concentradas numa situação que sugere abandono.

Na última sexta-feira (15), uma grávida e outras três pessoas foram presas, em Tambaú. Com os detidos, a polícia encontrou crack, cocaína e maconha. Os suspeitos foram autuados pelo crime de tráfico de drogas.

De acordo com a delegada Viviane Magalhães, a operação visava desarticular as "cracolândias" que estão se formando em João Pessoa. "Estamos efetuando várias investigações em bairros da capital, para que se evite essa formação de cracolândias. Pela quinta vez no ano, nós fizemos uma operação, que resultou na apreensão de crack, cocaína e maconha, e quatro autuados. Todos já tem passagem pela polícia, seja por roubo ou tráfico."

Situações assim preocupam a comerciante Morgana Medeiros. Há 15 anos, a empreendedora mantém uma loja de artigos locais e lembrancinhas. A empresária alerta que após o período pandêmico, aumentou substancialmente o número de pessoas nas ruas.

“Isso assusta a todos nós e principalmente aos turistas. Quando eles chegam na loja para comprar sempre há uma abordagem com pessoas pedindo dinheiro que a gente sabe o motivo: para se drogar”, afirmou.

A preocupação com a redução no volume de visitantes é eminente, principalmente pela chegada do verão - período em que capital paraibana recebe um volume considerável de turistas - aumentando a circulação de pessoas em pontos turísticos.

 “Diariamente, a gente presencia assaltos. Ultimamente, principalmente no período da noite, sempre há crimes aqui”, reclamou. E completa: “Estamos pedindo socorro”, finaliza.

Marta Costa é funcionária há pelo menos cinco anos em outro quiosque na feirinha de artesanato de Tambaú. Assim como Morgana, sente que a situação na região piorou com a chegada da pandemia. “Depois da pandemia as coisas ficaram mais difíceis. O índice de moradores de rua cresceu bastante. Isso dificulta nossas vendas”, exclamou.

“O turista, inclusive que geralmente vem de outros estados, chega aqui e se depara com muita gente em situação de rua, muitos pedintes. Incomoda bastante. João Pessoa, como uma das cidades mais procuradas do Nordeste, passa uma imagem horrível”, descreveu Marta Costa, comerciante.

Segundo ela, há uma avaliação da capital paraibana. Os visitantes frequentemente reclamam: “Nossa, eu não posso almoçar direito porque eles [pessoas em situação de rua] incomodam”.  E pontua: “A forma como eles abordam o turista para pedir é ameaçadora. Então, pelo amor de Deus. Gente, temos que fazer alguma coisa. Cadê o poder público?”. “Eu só quero atender bem os clientes para que eles retornem mais vezes”, finalizou.

A poucos metros, um grupo de São Paulo tirava fotos no passeio por João Pessoa. O objetivo: cumprir a missão de visitar todas as capitais do Nordeste durante as férias. O professor Valdir da Silva, de 47 anos, de São José dos Campos, teceu elogios aos aspectos visuais da cidade: “João Pessoa é linda e maravilhosa”.

Mas, rapidamente constatou a problemática social. “Os moradores de rua nos abordam o tempo todo. Um agora mesmo me pediu dinheiro. Ontem, estávamos em um restaurante quando uma moça veio com o argumento de vender algo, mas acabou nos pedindo também. Deu pra perceber que ela é usuária de drogas”, completou. Para o paulista, a sensação de insegurança o força a mudar algumas ações durante a visitação.

 “Ficamos com um pouco de medo. Porque não sabemos se a pessoa é agressiva. Temos que ser precavidos. Para isso, buscamos andar mais em grupos, nunca só. E, de preferência, aqui só andamos na orla, jamais nas ruas paralelas”, disse Valdir Silva, turista de São Paulo.

Fomos até alertados por um guia turístico sobre os lugares onde devemos andar. Sempre onde tem mais gente, mais movimento. É menos perigoso”, finalizou.

Números 

Estima-se que mais de 400 pessoas vivem em situação de rua e vulnerabilidade em João Pessoa. O número compreende a um estudo elaborado com base nos atendimentos do Serviço Especializado de Abordagem Social (Ruartes) publicado recentemente pelo Portal T5. 

Neste recorte, imigrantes formam a maior parte das pessoas que vivem em situação de rua e vulnerabilidade na capital paraibana. Esse público - que sai de seus países de origem em busca de uma vida melhor - representa 66% dos atendimentos realizados no primeiro semestre deste ano.

Construção social, heterogeneidade e pandemia

A pesquisadora e especialista Bruna Carvalho denuncia que a falta de um censo oficial com o perfil das pessoas em situação de rua prejudica a compreensão sobre a dimensão real do problema, além de afetar o desenvolvimento de políticas públicas específicas.

Ela descreve que na elaboração de sua dissertação de mestrado, pelo Programa de Pós-graduação em Antropologia da Universidade Federal da Paraíba (PPGA/UFPB), com o tema ‘FIQUE EM CASA? Estudo antropológico sobre os desdobramentos da pandemia da covid-19 nos encontros entre o Consultório na Rua e pessoas em situação de rua’, a ausência de dados despertou interesse.

"Me chamou muita atenção a nítida problemática sobre a ausência de dados censitários dessa população. Quando faltam esses dados, faltam políticas públicas. E, antes da pandemia, o Ministério Público da Paraíba havia entrado com uma ação civil-pública que serviu para dar impulso a determinadas políticas voltadas à população em situação de rua. No estudo desse processo, já havia a discussão para que fossem realizadas ações no intuito de dimensionar essa população a fim de atendê-los”, disse Bruna Carvalho, pesquisadora.

Doutoranda em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (FFLCH/USP), Bruna cita que se faltam dados há uma unanimidade com relação à composição da população em situação de rua: “é completamente heterogênea”.

Bruna chama atenção que as pessoas estão na rua não necessariamente por questões direcionadas especificamente ao tráfico de drogas, mas também pelo crivo dos problemas econômicos acentuados durante a pandemia.

"Pelo agravo econômico da pandemia essa população cresceu por ser um dos números mais atingidos", completou.

Centro e Praia

As regiões apontadas como preferíveis para concentração de pessoas em situação de rua estão relacionadas, segundo Bruna Carvalho, com o movimento das cidades. Neste contexto, Centro e Praia são escolhidos pela presença de pessoas, facilitando a comunicação para pedidos de ajuda.

“Esses pontos são normalmente escolhidos pela movimentação que oferecem. Além da facilidade para pedir ajuda, há determinadas contribuições que chegam nesses espaços em momentos específicos. Cito a oferta de comida de determinado restaurante e o trabalho de entidades filantrópicas. Então, essas pessoas já sabem onde a van do Hospital Padre Zé, por exemplo, para. São pessoas que precisam de outras pessoas para sobreviver seja através da mendicância, ou da oferta de favores e serviços simples em troca de dinheiro. É pela maior possibilidade de sobrevivência”, afirmou Bruna Carvalho, pesquisadora.

Poder público, planejamento e resolução

No dia 14 de julho de 2023, a Prefeitura de João Pessoa aderiu ao Termo de Ajustamento de Conduta proposto pelo Ministério Público da Paraíba (MPPB) e Ministério Público Federal (MPF) para regulamentação de aspectos de uso dos espaços das orlas de Tambaú e Cabo Branco.

O documento cita a criação de uma comissão intersetorial que deve atuar no enfrentamento das situações de riscos e vulnerabilidades encontradas na área. Isso inclui a política de resgate e encaminhamento das pessoas em situação de rua.

O texto informa que esta população deve ser atendida pelo poder público, que deve providenciar “acolhimento em abrigos próprios ou junto a familiares responsáveis. As situações de prostituição ou de exploração de crianças e adolescentes deverão ser devidamente encaminhadas para serem tratadas pelos órgãos responsáveis".

O prazo para cumprimento das medidas estabelecidas no termo - que também aborda outros aspectos - encerrou na última quinta-feira (14).

O Portal T5 realizou questionamentos e solicitou dados à assessoria de comunicação da Secretaria de Direitos Humanos de João Pessoa (SEDHUC). Nos foi informado que as tratativas a respeito da população de rua são realizadas pela Secretaria de Desenvolvimento e Controle Urbano (Sedurb).

A Sedurb, por sua vez, esclareceu que as ações desempenhadas pela pasta estão alinhadas com o ordenamento físico da região. A pasta também sinalizou que já foi formada a Comissão Intersetorial e envolve diversas Secretarias. "As ações de fiscalização estão em curso desde a assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e são coordenadas pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano (Sedurb). No primeiro momento, foi realizado um período educativo, que durou 30 dias, onde a Sedurb repassou à todos os setores envolvidos na utilização do solo público o que era permitido e proibido, de acordo com o documento".

A Sedurb completa que já foram recolhidos grades de ferro e de bebidas, cadeiras e mesas que estavam dispostas de maneira irregular por quiosques na faixa de areia da praia, comprometendo a vegetação da área. Também ocorreu a demolição de construções irregulares e apreensão de pneus, estacas de madeira e plásticos colocados de maneira irregular pela população na faixa de areia.

Coube também a secretaria informar que "no que diz respeito às pessoas em situação de rua, o acolhimento é realizado pela Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania (Sedhuc). O Serviço Especializado em Abordagem Social - Ruartes e o Centro de Referência Especializado para Pessoas em Situação de Rua (Pop 1) realizam as ações na localidade".

Segundo a assessoria são ações periódicas e, até o momento, "já foram realizadas 30 abordagens na região de Tambaú e Cabo Branco. Durante a abordagem é realizada uma coleta de informações como: nome, idade, naturalidade, vínculos familiares, motivos que levaram a estar na rua, o tempo de vivência na rua,  quais tipos de drogas, se tem documento ou não, traçar o perfil dessas pessoas para, a partir daí, direcionarmos para a Rede de Proteção".

A Secretaria de Meio Ambiente (Semam) também realizou vistorias na vegetação. Retornamos o contato à SEDHUC, mas não houve resposta.

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