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Celulares em sala de aula são nocivos para estudantes? João Pessoa discute proibição

Projeto de lei pretende regulamentar uso da tecnologia na sala de aula, na capital. Na PB, lei proíbe aparelho em escolas estaduais

Por Cristiano Sacramento Publicado em
Udo de dispositivos eletrônicos de forma recreativa pode prejudicar o ensino
Udo de dispositivos eletrônicos de forma recreativa pode prejudicar o ensino (Foto: Cecília Bastos / USP Imagem)

No Brasil, 249 milhões de aparelhos celulares estão em circulação, conforme dados da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Isso corresponde ao percentual de 1,2 smartphones por pessoa. Ou seja, em um cenário onde o número de dispositivos eletrônicos é superior ao da população (203,1 milhões) é eminente a presença do item em locais onde o uso recreativo e indevido pode gerar consequências.

Um documento da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) divulgado recentemente colocou o assunto em discussão. O Relatório Global de Monitoramento da Educação 2023 intitulado "A tecnologia na educação, uma ferramenta a serviço de quem?" referencia a nocividade do uso desenfreado dos aparelhos eletrônicos ao processo de aprendizagem.

"O uso da tecnologia pelos estudantes em salas de aula e em casa pode ser uma distração, prejudicando a aprendizagem", diz o texto.

Na Paraíba, a lei Nº 8.949, de 2009, proíbe o uso de telefone celular dentro das salas de aulas nas escolas da Rede Pública Estadual. A decisão - que segue em vigor - foi alvo de tentativas de veto por parte do governo estadual. O insucesso deve-se à Assembleia Legislativa (ALPB), que garante a proibição.

Movimentação em João Pessoa

Em pronunciamento na Câmara Municipal, no dia 8 de agosto deste ano, a vereadora Eliza Virgínia (PP) alertou para os riscos do uso excessivo de smartphones em sala de aula. Ela protocolou um Projeto de Lei (PL) que tem o objetivo de reformular a lei atual. Ao Portal T5, ela explicou o que espera da propositura:

O projeto que protocolei não proíbe exatamente o uso de celulares. Trata-se do uso recreativo do celular. O professor querendo fazer uso dos dispositivos eletrônicos seja tablet, computador ou celulares de uma forma educativa logicamente o aparelho será permitido”, disse.

Ela lembra que a prefeitura da cidade entregou, inclusive, tablets conectados à internet para os alunos. “Isso, para uso com sabedoria, dentro dos critérios educativos".

"Nós estamos cansados de ver professores que se queixam que os alunos, dentro da sala, na hora da aula, começam a jogar, olhar redes sociais, tirar selfie… isso tem prejudicado muito o comportamento e aprendizado dos alunos. É por isso que propomos uma lei"

Pontos distintos

Ainda de acordo com a parlamentar, a lei estende a proibição para as escolas privadas, além das instituições públicas de ensino. “Isso é a inovação da lei, que também traz esclarecimentos às escolas, que poderão trazer regras e punições disciplinares caso o aluno entre em choque com normativa”, concluiu.

A professora Ana Malta, da disciplina de Ciências, no Ensino Fundamental do colégio Marista Pio X em João Pessoa, acredita que o celular é uma ferramenta importante no processo de aprendizagem, mas se queixa que o aparelho retira a atenção do aluno “prejudicando muito o processo de ensino”.

“Concordo com a proibição do uso do celular na escola, pois caso os pais tenham necessidade de falar com os alunos, eles têm esse acesso através da coordenação”, avaliou.

Ela, que é professora de alunos entre 11 e 12 anos, descreve que no início de cada aula encontra sempre o mesmo cenário: “Muitos alunos estão jogando ou assistindo vídeos no celular. No momento em que a aula começa eles guardam o celular, na maioria dos casos, precisamos solicitar". E acrescentou: "Alguns alunos ficam conferindo o celular, exigindo do professor um olhar atento para evitar o uso do celular”. 

Isolamento

Ainda segundo a professora, há estudantes que durante o intervalo - momento que permite uma maior aproximação entre os alunos - há muitos que se isolam e ficam assistindo vídeos ou jogando nos dispositivos. Ana Malta compreende que a falta de maturidade e discernimento para uso do aparelho tende a dificultar o desenvolvimento.

Acredito que o celular pode ser utilizado como uma ferramenta para o processo de aprendizagem, como por exemplo, fotos, vídeos e pesquisa sobre o objeto de estudo, porém, a falta de maturidade no uso do celular, e a falta de um celular pode gerar muitos conflitos e constrangimento entre os alunos”, declarou.

Exemplo

Mas, nem tudo parece estar perdido neste cenário de conectividade total. Alguns estudantes, a exemplo de Pedro Egydio, aluno do 1ª ano C do Pio X, demonstram esclarecimentos a respeito do uso positivo dos dispositivos no ambiente escolar.

"Quando o professor autoriza, usamos o aparelho para pesquisas em geral. Eu, particularmente, utilizo o aparelho quando necessário na busca de sinônimos para não repetir palavras em exercícios de redação. E também quando é possível agilizar cálculos matemáticos simples".

Já com relação ao uso de celulares sem limitações, ele se mostra contra. "Acredito que seria impossível o professor fazer o trabalho dele em plenas condições. Nenhum aluno iria prestar atenção no que ele está falando. Ia ficar uma aula perdida, com o professor sendo ignorado", finalizou.

A lei é polêmica

O Portal T5 consultou o advogado Genesis Honorato, especialista em Direito Civil. Para ele, o tema no tocante à proibição do uso do celular tem um ar de polêmico em razão da complexidade jurídica de sua atmosfera. “A pergunta pode parecer simples, mas versa sobre assuntos que ensejam os maiores debates em Direito Constitucional. Até onde pode ir o Poder Público nos limites aos direitos individuais?”, questionou. E esclareceu:

“Por mais que se fale no direito do aluno à propriedade privada, tal direito fundamental não é absoluto. A própria Constituição Federal, no Art. 5º, Inciso XXIII (imediatamente posterior ao que afirma ser garantido o direito de propriedade), diz que a propriedade atenderá uma função social. Ou seja, a propriedade individual, além de beneficiar o seu titular, também deve beneficiar a coletividade”.

Genesis recorda que a Constituição também permite que o poder público limite o direito do indivíduo para o benefício coletivo, ou até mesmo o benefício daquele próprio indivíduo.

Pensando na situação específica do ambiente escolar, devemos lembrar que os alunos estão sob os cuidados do poder público quando em suas salas, eles possuem uma relação diferenciada com o ente público quando entram nas dependências da escola. Ainda mais pelo fato de que é um ambiente que tem uma finalidade muito específica: o aprendizado e a eliminação de quaisquer intervenções que afetem este aprendizado”, confirmou.

“A Constituição Federal  diz que é a educação é dever do Estado, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Assim, o poder público tem um dever para com os alunos, que é zelar pela melhor educação, mesmo que seja limitando alguns direitos de forma mínima e por um período de tempo determinado (enquanto durar o horário escolar)”, disse o advogado Genesis Honorato.

Por fim, o advogado entende que a lei não provoca nenhuma limitação a direito individual, “pois se mostra proporcional”. Ele aponta a necessidade da medida “haja vista que há diversos estudos comprovando os malefícios do uso de aparelhos, que tiram atenção e o foco necessário para o desenvolvimento. É também adequada, pois limitando/proibindo o uso dos aparelhos no momento de concentração é possível alcançar o foco necessário para os alunos. E, por fim, não há uma restrição absoluta ao direito do aluno, mas apenas momentânea e para o seu melhor desenvolvimento”, finalizou.

O que dizem os entes públicos?

Consultamos a Secretaria de Educação da Paraíba. Em comunicado, a instituição diz que “nenhuma escola estadual autoriza que estudantes usem celulares em sala de aula, com exceção em atividades nas quais os aparelhos sejam necessários”.

A secretária de Educação de João Pessoa, América Castro se mostrou preocupada com o uso indevido do celular e das telas digitais em geral pelos alunos. “O relatório da Unesco sugere que governos regulamentem esse tema e apresentem solução para frear a exposição excessiva à telas à menor curiosidade dos jovens, a sua menor estabilidade emocional e, até mesmo, a quadros de ansiedade”, antecipa.

América sinaliza que em João Pessoa há determinação para cumprimento da lei estadual e frisa a importância dos apontamentos da Unesco, mas entende também que a tecnologia é essencial para aprendizagem. “Não há como restringir a utilização do celular para esta geração hiperconectada. Nossa proposta pedagógica consiste em orientar os estudantes quanto ao uso adequado dos recursos tecnológicos, de forma que estes agreguem valor ao ensino, de forma lúdica e eficiente”.

A secretária ainda garantiu a realização de campanhas de conscientização dos alunos na sala de aula, limitando o uso ao espaço externo no ambiente escolar.

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