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'O amor é maior', diz casal de pastoras que acolhe público LGBTQIAPN+ em JP

Líder da organização religiosa, Cínthya Martins, afirma que Deus acolhe a todos

Por Carlos Rocha Publicado em
Direito ao exercício da fé: igreja cristã acolhe público LGBTQIAP+ em JP
Direito ao exercício da fé: igreja cristã acolhe público LGBTQIAP+ em JP (Foto: Arquivo Pessoal/ Cínthya Martins)

Assim como qualquer outro cidadão, o público LGBTQIAPN+ possui alguns direitos assegurados. No entanto, na prática, nem sempre há possibilidade de exercê-los. Um deles é a profissão da fé. Esse é o drama vivido por muitos membros da comunidade e que, ao mesmo tempo, se identificam com a religião cristã.

Apesar da pluralidade e segmentação, o cristianismo, em algumas de suas camadas, acaba afastando esse público. São esses segmentos do cristianismo que, muitas vezes, deixam marcas em alguns fiéis que acabam diante de dois caminhos, abrir mão de sua fé ou a de viver livremente a própria sexualidade .

Em João Pessoa, na Paraíba, um casal de pastoras fundou um ministério cristão que acolhe pessoas da comunidade LGBTQIAPN+. O objetivo, de acordo com Cínthya Martins, líder da organização religiosa, é mostrar que Deus acolhe a todos, independentemente de raça, cor, religião ou orientação sexual.

Cínthya vive com sua companheira, Bruna Alencar, há cerca de 3 anos na capital paraibana. Antes, elas moravam em Natal, no Rio Grande do Norte. Ao integrarem um ministério de igreja inclusiva, onde se conheceram, foram designadas para liderar uma congregação em João Pessoa. Após algum tempo, fundaram o próprio ministério e, desde então, têm acompanhado a vida e acolhido algumas pessoas da comunidade LGBTQIAP+.

"Nós nos conhecemos há seis anos e meio atrás, nós fazíamos parte de outro ministério e passamos por um período de 8 meses entre namoro, noivado e casamento. Nos casamos no civil com bênçãos religiosas também e fomos seguindo com o ministério juntas, uma ajudando a outra. Vale salientar que a gente se conheceu na igreja, servindo ao Senhor, buscando ao Senhor, e o Senhor nos deu uma à outra, e estamos aqui cuidando uma da outra e também de pessoas que Deus colocou no nosso caminho para cuidar também", afirmou Cínthya.

Bruna ressaltou que muitas pessoas chegam ao ministério com traumas e marcas que as fazem pensar que não podem servir a Deus do jeito que são. "Colocar a confiança de volta nelas é um trabalho árduo, pois envolve superar rejeições e traumas. No entanto, é um trabalho gratificante e prazeroso quando se consegue transmitir o amor de Deus para outras pessoas", disse.

"Eu conheci a igreja inclusiva de 2013 para 2014 e desde então eu entendi que Deus me ama do jeito que nós somos. Deus não muda a essência, Deus transforma caráter. A essência é como nós nascemos e a gente luta muito tempo contra essa essência, mas a partir do momento que você entende que Deus te ama do jeito que você é, você se aceita, então você começa a ver que tem outras pessoas que também precisam se convencer disso. Descobri a partir da inclusão que Deus não faz acepção de pessoas. De que eu posso exercer o meu ministério sendo quem sou, amando quem eu amo", disse a pastora.

"De alguns meses para cá nós começamos o nosso ministério independente, a Igreja Reconciliar, onde tem muitas pessoas que estão chegando que estão sendo transformadas por esse amor de Deus. Lá Deus não vai mudar a sua essência, ele tem mudado histórias, nós temos visto muitas pessoas sendo transformadas, Deus colocando novamente dentro delas o desejo de fazer a obra do Senhor e isso é muito lindo. A gente vê pessoas sendo transformadas através do amor", acrescentou.

Perguntadas sobre histórias de acolhimento que têm a contar, elas destacaram a do casal Paulinha e Alci e também a do jovem Bruno Machado. As pastoras afirmam que acompanham essas pessoas há algum tempo e que trabalharam a aceitação delas.

"Essas pessoas chegaram muito machucadas, muito distantes e culpadas por aquilo que elas são. Até mesmo foi ministrado, em outros locais, de onde vieram, a cura delas para algo que não é doença. Quando chegavam em outros locais para desfrutar do direito de professar a fé, tinham um olhar de rejeição e hoje elas podem ser quem elas são, você vê essas pessoas trabalhando com prazer na igreja. Chegando na igreja e tendo a liberdade de abraçar a pessoa que ama sem ficar preocupado com quem está olhando. Isso é viver do jeito que elas são, e isso é muito bom. Essas pessoas são exemplos de transformação, daquilo que Jesus faz na vida das pessoas", declarou Cínthya.

Além de proporcionar acolhimento, o casal também celebra casamentos, tanto no civil quanto com as bênçãos religiosas. Elas buscam criar uma celebração mais intimista, voltada para cada casal, um serviço que ainda é escasso na Paraíba. O casal diz que, na Paraíba, há dificuldade de encontrar celebrantes que aceitem realizar casamentos para pessoas LGBTQIAPN+.

"Independente de ser cristão ou não, nós realizamos essa celebração religiosa. E essa celebração a gente faz de um modo mais intimista, voltada para aquele casal. É um serviço que poucos encontram aqui na Paraíba. Fomos convidadas para fazer a primeira celebração de casamento, e desde então temos realizado cerimônias e proporcionado às pessoas o direito de casar normalmente, tanto no civil quanto com as bênçãos religiosas", afirmou o casal de pastoras.

Paulinha e Alci formam um casal que chegou até as pastoras muito machucado e, além de ser acolhido, recebeu as bênçãos do casamento.

"Alci veio da igreja católica, e eu vim da igreja evangélica. Eu cresci escutando que Deus não me amava, que pessoas que gostavam do mesmo sexo iam para o inferno, que família só era uma família se fosse marido e mulher. Então, a gente cresceu escutando isso, e aos meus 22 anos, eu vi que eu não me encaixava mais nisso. Me afastei da igreja e me afastei também de Deus.

Há dois anos, nós conhecemos uma igreja pluralista, e essa igreja aceita todos como as pessoas são, sem fazer julgamentos. De dois anos para cá, foi um divisor de águas nas nossas vidas, porque lá a gente recebeu todo o acolhimento. Hoje em dia, nós congregamos na igreja reconciliar, e lá a gente tem amizades. Lá a gente serve na casa do Senhor, lá a gente faz questão de receber pessoas que chegam machucadas, assim como nós chegamos um dia".

"E a gente fala para essas pessoas que elas são amadas, sim. Que Deus ama todos nós como nós somos. E hoje em dia, nós temos uma família linda. Inclusive, nós estamos fazendo um curso de teologia, porque a gente quer aprender mais de Deus, mais de Jesus, mais do Espírito Santo, e principalmente, aprender mais sobre a Bíblia.

Espero que o nosso breve testemunho sirva para que vocês entendam que Deus nos ama como nós somos. Não deixem nunca que as pessoas digam que vocês não são filhos amados do Senhor", disse Paulinha.

Após testemunharem muitas histórias de rejeição, traumas e marcas que permaneceram na vida de seus liderados, as pastoras afirmam que é possível transformar marcas de dor em marcas de amor. Dizem ainda que é possível exercer direitos e ocupar espaços.

"Não desistam dos seus sonhos por conta do preconceito das pessoas. Vão atrás dos seus direitos, sonhem mesmo, porque o amor cura tudo. O amor é maior do que tudo, é o caminho para a paz e para tudo que precisamos. Através do amor, é possível conquistar tudo. Queremos dizer que você não é um erro, Deus não errou quando te trouxe ao mundo. A palavra do Senhor diz que Deus amou o mundo de tal maneira que deu seu filho unigênito para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Ele disse todos, não apenas uma classe de pessoas. Seu ministério não acabou, o chamado que Deus tem para sua vida não acabou. Existe um lugar que te acolhe e te aceita como você é", afirmou o casal de pastoras.

Liberdade

Bruno, que conheceu as pastoras quando elas ainda integravam um outro ministério, afirmou que consegue desfrutar do que sempre quis fazer: professar sua fé através da música. Ele hoje é ministro de louvor, mas nem sempre foi assim. Ele revela que, por diversas vezes, teve que controlar seu jeito expressivo de ser, mas que pode vivenciar a liberdade de cantar e fazer o que ama sem se sentir outro ou julgado.

"Até mesmo eu fiquei meio travado na época, porque eu sou uma pessoa que não podia me expressar e hoje eu posso. Antes eu ficava meio contido, meio restrito, não podia muitas vezes exercer ministério por conta da minha condição sexual e quando eu retornei através do ministério das pastoras eu pude entender, através da música, e mostrar para as pessoas o quanto o Senhor liberta. Hoje eu posso, sim, ser um homossexual assumido exercendo o meu chamado e mostrando para outras pessoas que mesmo que sejam discretas, afeminadas, transexuais, travestis, independente da sua condição sexual ou a sua identidade de gênero, o que o senhor quer é transformar sem tirar a nossa essência", disse Bruno.

Bruna e Cínthya consideram o trabalho que exercem fundamental na promoção da inclusão e do respeito à diversidade na comunidade cristã, permitindo que pessoas LGBTQIAPN+ possam exercer sua fé e ter seus relacionamentos celebrados de acordo com suas crenças religiosas.

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