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Coluna - Josival Pereira

O que existe por trás do episódio de redução do show de Flávio José?

Josival Pereira analisa casos de dominação política na história após modificações de culturas tradicionais

Por Josival Pereira Publicado em
Cantor e compositor paraibano, Flávio José.
Cantor e compositor paraibano, Flávio José. (Foto: Instagram/Reprodução)

A primeira semana da versão 2023 do Maior São João do Mundo está teimando em não passar.

O episódio envolvendo o sanfoneiro e cantor Flávio José, um dos consagrados nomes da música nordestina, continua repercutindo não apenas no Nordeste, mas em todo Brasil. Não se entende as razões pelas quais os organizadores do evento, em Campina Grande, reduziram aquele que é talvez o espetáculo de forró mais esperado e aplaudido da região, justo antes de um show do sertanejo Gusttavo Lima. As desculpas não estão sendo assimiladas.

Lógico que vai sempre aparecer aqueles que vão defender que é preciso dar ao povo o direito de assistir shows dos artistas que fazem sucesso e que reúnem grandes multidões em suas apresentações e que não se pode impor barreiras ao movimento musical, etc.

A arte, realmente, não comporta limites, mas alguns dos argumentos dos defensores da presença maciça de artistas do chamado sertanejo romântico no São João do Nordeste são controversos. Questiona-se, com razão, o desprezo às tradições históricas e aos bons artistas locais; questiona-se o elevado valor dos cachês numa região em que grande parte dos municípios estão sob decretos de calamidade; por outro lado, esquece-se que existem barreiras quase intransponíveis para os artistas do Nordeste em outras regiões por aí.

A repercussão do caso Flávio José é interessante. Inicialmente, dava a impressão que se tratava apenas de um desabafo, seguido de protestos de segmentos insatisfeitos com os rumos que a Prefeitura e os organizadores estavam dando ao Maior São João do Mundo, sobretudo, em relação ao avanço da terceirização, que reduz custos para os cofres públicos, mas reduz também espaços para artistas locais e até para o povo. Não era apenas um acorde dissonante.

Talvez ainda seja cedo para se compreender o impulso das manifestações e do sentimento negativo em relação ao caso Flávio José, que foram bem além do episódio. É como se fogueiras invisíveis estivessem começando a fazer arder as consciências sobre um fato que já pode ter extrapolado o razoável, que é, efetivamente, a invasão da música sertaneja ao São João do Nordeste. Sempre se aceitou, mas o exagero começa a incomodar. Explodiu com a desfeita a Flávio José.

Sociologia e ciência política

Não existe um debate sistematizado sobre isso e talvez seja querer demais jogar luzes da sociologia e da ciência política na análise do problema, que, para muitos, nem problema é. Todavia, não estará fora de propósito aqueles que começarem a tratar essa questão como uma invasão cultural predadora, que pode resultar em efetiva dominação cultural.

Poder econômico

A música sertaneja habita um mundo de elevado poder econômico, que é o mundo do agronegócio. Com mais estrutura e dinheiro, consegue promover e vender seus produtos com muita facilidade. Pouco a pouco, como já ocorreu e ocorre em processos de dominação cultural, vai corroendo as tradições culturais de outras regiões e o Nordeste parece bastante vulnerável nessa seara.

Imperialismo americano

Vai parecer exagero, mas talvez valha pôr na mesa de discussão o exemplo da invasão e da dominação cultural exercida pelos Estados Unidos em meio mundo através do cinema, da música e da moda, culminando com a dominação política (fase do imperialismo).

 Agronegócio por trás

O poeta e compositor de forró Bebé de Natércio já chega a suspeitar que a invasão dos sertanejos no Nordeste tem, além do interesse puramente empresarial de vender shows e música, propósito político. Ele vê o agronegócio por trás de tudo. Primeiro, amaciando com o sucesso dos artistas sertanejos, e, depois, chegando com a política. Talvez não seja à toa que praticamente todos os artistas sertanejos se posicionam e se manifestam sobre a política.

Bancada ruralista

Pode parecer outro exagero alimentar essa desconfiança, mas vale lembrar que, tendo começado um tanto rejeitado com a UDR (União Democrática Ruralista) entre 1987/1988, durante a Constituinte, o mundo dos negócios rurais conta com uma bancada de 282 dos 596 parlamentares (deputados e senadores) do atual Congresso. A bancada ruralista constitui quase metade da representação política de um país que tem mais de 84% de sua população habitando no mundo urbano. É incongruente e não é estúpido desconfiar.

História

Toda a dominação política na história do mundo se consumou com a destruição cultural dos dominados. Os espanhóis destruíram as culturas Maia e Inca, os portugueses aculturaram o que sobrou dos indígenas brasileiros e o devastador processo de escravidão atingiu violentamente a cultura afro. Esses são apenas alguns exemplos.

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Josival Pereira

JOSIVAL PEREIRA, natural de Cajazeiras (PB), é jornalista, advogado e editor-responsável por seu blog pessoal.

Em sua jornada profissional, com mais de 40 anos de experiência na comunicação, atuou em várias emissoras Paraibanas, como diretor, apresentador, radialista e comentarista político.

Para além da imprensa, é membro da Academia Cajazeirense de Letras e Artes (Acal), e foi também Secretário de Comunicação de João Pessoa (2016/2020), Chefe de Gabinete e Secretário de Planejamento da Prefeitura de Cajazeiras (1993/1996).

Hoje, retorna à Rede Tambaú de Comunicação, com análises pontuais sobre o dia a dia da política nacional e paraibana.