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15 de novembro

Da espada à urna: o que a Proclamação da República ainda ensina sobre poder e participação popular

Mais de um século após o golpe militar que derrubou a monarquia, Brasil ainda enfrenta desafio de transformar a “República copiada” em uma verdadeira democracia participativa

Por Gilmara Dias Publicado em
Proclamacao
Nos primeiros anos do novo regime, o Brasil viveu o que os historiadores chamam de República Oligárquica

Em 15 de novembro de 1889, o Brasil iniciava uma nova fase da história. Um movimento liderado por militares pôs fim à monarquia e instaurou o regime republicano, proclamando o país como “Estados Unidos do Brasil”. A data, celebrada como marco da modernização política, esconde, no entanto, um aspecto fundamental: a ausência do povo na transformação que prometia ser feita em seu nome. A Proclamação da República foi, de fato, um ato de cúpula, articulado por setores das Forças Armadas e das elites agrárias, especialmente os cafeicultores, que buscavam preservar interesses econômicos e políticos, sem ampliar a participação popular.

Para o professor Fernando Guedes, a reflexão sobre o feriado nacional deve ir além da comemoração. “No 15 de Novembro celebramos o início de uma nova fase da história de nosso país: o advento da República. A República foi pensada em nosso território desde o período colonial, mas será que o ideal republicano fazia parte de nosso perfil como povo? A República sempre foi pensada como um ideal copiado e não necessariamente legítimo, tomando exemplos da Revolução Francesa, da Revolução Americana e dos processos emancipatórios da América Latina como um todo. Fomos o grande Império formado nas Américas após a nossa independência e, somente em 15 de novembro de 1889, nos tornamos uma República, uma República copiada: Os Estados Unidos do Brasil.”

República sem povo

O historiador Laurentino Gomes, autor da obra 1889, define o nascimento do regime como a criação de uma “república sem povo”. O livro mostra que o episódio, embora decisivo para a história nacional, não teve caráter revolucionário, mas golpista. Dom Pedro II, já debilitado e sem herdeiro homem, foi deposto sem resistência. O novo regime não nasceu de uma pressão popular, mas de um descontentamento político de militares influenciados pelo positivismo e de uma elite rural que desejava maior autonomia frente ao poder central.

O ideal republicano, inspirado em modelos estrangeiros, foi importado sem uma base social sólida. E, como lembra o professor Fernando Guedes, o problema da exclusão política atravessou o tempo: “A prova de História do ENEM nos trouxe uma reflexão importante através de uma passagem da obra Cidadania no Brasil de José Murilo de Carvalho, onde o mesmo atesta a pequena participação política do povo brasileiro que, no período imperial, estava ligado à renda (voto censitário), mas que, mesmo com o advento da República, não houve grande mudança. Isso se deu porque, apesar do fim do voto censitário, para ter tal direito, era necessário ser alfabetizado, o que no Brasil havia em números restritos.”

O voto, ainda que formalmente ampliado, continuou sendo um privilégio de poucos. A alfabetização, requisito para o exercício da cidadania, excluía a maioria da população. “Aliás, a própria Proclamação da República foi um evento restrito, longe da participação popular e arquitetado pelos militares, que tinham apoio de camadas elitistas da sociedade, como os cafeicultores, mas que não estavam dispostos a democratizar os processos, afinal, República é uma coisa, Democracia é outra”, afirmou o professor.

Da República Oligárquica ao desafio da Democracia

Nos primeiros anos do novo regime, o Brasil viveu o que os historiadores chamam de República Oligárquica. O poder político era concentrado nas mãos de poucos, especialmente nas oligarquias estaduais de São Paulo e Minas Gerais, que se revezavam na presidência em um arranjo conhecido como “política do café com leite”.

Apesar de o país ter se tornado formalmente uma república, os princípios de igualdade, representação e participação cidadã estavam longe de se consolidar. O voto era controlado por coronéis, as eleições eram fraudadas, e a vontade popular, reduzida à formalidade.

“Mais do que defender a instituição República, pensemos em defender o que de fato é Democracia”, afirma o professor Fernando Guedes. “Afinal, já fomos uma república não democrática e tivemos que avançar para estágios mais sublimes da República. Os fatos de 8 de janeiro de 2023 nos trazem uma preocupação latente em nossa sociedade: que tipo de República queremos ter? Os desdobramentos chegam até os dias de hoje, envolvendo defesa e acusação sob interesses alheios à Democracia. Talvez o nosso grande desafio no aniversário da República seja aprender a diferença entre República e Democracia e, mais do que isto, avançarmos em um país de participação cidadã cada vez mais responsável.”

Entre o passado e o presente

A história mostra que a República brasileira nasceu excludente, marcada pela concentração de poder e pela ausência de um projeto popular. Mais de um século depois, os reflexos dessa origem ainda são visíveis nas crises políticas e nas tensões entre instituições. O 8 de janeiro de 2023, quando grupos antidemocráticos atacaram os Três Poderes em Brasília, simboliza a persistente fragilidade da democracia nacional.

A pergunta que ecoa desde 1889 permanece atual: quem é, de fato, o dono da República? A resposta depende da capacidade da sociedade de participar, questionar e preservar os valores democráticos.

O professor Fernando Guedes resume essa trajetória histórica ao afirmar: “O Brasil nasceu como uma República Oligárquica em 1889. Séculos depois, eventos como o de 8 de janeiro demonstram que a luta pela Democracia é um processo contínuo e frágil. O verdadeiro desafio do 15 de novembro não é celebrar a forma de governo, mas sim garantir que a res publica (coisa pública) seja verdadeiramente exercida com participação cidadã, respeito às instituições e inclusão social, superando o legado de exclusão da ‘República Copiada’.”



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