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Analfabetismo e exclusão social: trabalho voluntário transforma realidade na Paraíba

Reportagem especial conheceu o projeto voluntário Sal da Terra, que ensina jovens e adultos a ler e escrever na Paraíba

Por Juliana Alves Publicado em
Jozé Pedro é um dos alunos do projeto Sal da Terra
Jozé Pedro é um dos alunos do projeto Sal da Terra (Foto: Juliana Alves/RTC)

 

Nas linhas do caderno, Seu Jozé Pedro, 65 anos, escreve sem pressa o próprio nome. O cuidado ao desenhar as letras é particular de quem as conhece há pouco tempo. Suavemente, outras sílabas também vão tomando forma e construindo pequenas frases. Tudo passa a ter sentido e assim a magia acontece: sons viram palavras e palavras viram sons.

Seu Jozé é pescador e não teve a oportunidade de conhecer as letras quando era jovem. Se esse encontro tivesse acontecido mais cedo, a história que é escrita hoje seria diferente, ele garante. “Nunca entrei numa escola. Se eu tivesse estudado desde novo seria um doutor. Como não estudei, a vida me deu de trabalho a maré”, disse.

Mas as coisas estão mudando. Pouco a pouco, a dedicação de Seu Jozé para aprender a ler vem trazendo algumas boas surpresas. Agora, por exemplo, ele já sabe escrever o nome da própria esposa. Parece banal, mas para quem apresentou o alfabeto para Seu Jozé é mesmo extraordinário. “Eu fico feliz demais por essas conquistas”, contou a professora Ana Rosa, 46 anos.

Ela é facilitadora da Educação de Jovens e Adultos (EJA) através do Projeto Sal da Terra e está a frente de uma turma na cidade de Bayeux, na Região Metropolitana de João Pessoa. Na sala de aula, improvisada na associação de moradores do bairro São Lourenço, além de Seu Jozé, nove adultos também estão no processo de alfabetização. Todos cheios de sonhos e vontade de escrever, com as próprias mãos, suas histórias.

Letras desconhecidas

Na Paraíba, 13,6% da população ainda não sabe ler nem escrever. Dados recentes divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no início de junho revelam que a taxa de analfabetismo no estado vem caindo, mas ainda se mantém entre as mais altas do Brasil.

Conforme o levantamento, o índice de analfabetismo no estado fica atrás somente das taxa registradas no Piauí (14,8%) e em Alagoas (14,4%). Veja aqui detalhes da pesquisa do IBGE. 

Na Paraíba, assim como no país de modo geral, a maior proporção de pessoas não alfabetizadas é a de idosos. No estado, 36,3% dos analfabetos têm 60 anos ou mais. Esse percentual é quase três vezes maior que a taxa de analfabetismo entre jovens acima de 15 anos.

Para a professora e especialista em Educação Quézia Vila Flor, esse cenário é reflexo de um processo histórico de exclusão social. Em entrevista ao Portal T5, ela explicou: “Esses adultos e idosos [não alfabetizados] hoje não foram acolhidos pelas políticas sociais nas décadas de 80 e 90, quando a gente começou o processo de democratização do país de acesso à escola”.

Esses adultos e idosos trabalhavam na infância ajudando os pais. Havia uma luta entre a escola e a sobrevivência e, logicamente, eles tiveram que optar pela sobrevivência. Então esse percurso formativo vai saindo do foco de vida dessas pessoas

Novas linhas

Espalhadas pelo país, projetos voluntários vêm mudando a realidade do analfabetismo nas cidades brasileiras. A taxa de analfabetismo no Brasil, segundo o IBGE, vem diminuindo ao longo dos anos. Resultado que é mérito também de iniciativas como o Projeto Sal da Terra, que há mais de 30 anos ensina jovens e adultos, como Seu Jozé, a ler e escrever.

O esforço de voluntários, no entanto, não anula a responsabilidade do Estado sobre a realidade do analfabetismo no Brasil, que ainda persiste e deve ser enfrentada com políticas públicas. Essa é a avaliação da Quézia Flor. “Precisamos pensar que a alfabetização se trata de um direito. E sendo um direito, não podemos negociar”, afirma.

Para a especialista, entre as ações necessárias para ampliar e garantir o acesso de adultos e idosos à escola estão: a busca ativa das pessoas que ainda não são alfabetizadas, uma ação intersetorial para conscientizar sobre a importância da escolarização e uma formação inicial e continuada.

A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Estado da Educação para saber quais ações de enfrentamento e combate ao analfabetismo são feitas na Paraíba, mas até a publicação desta matéria não teve retorno.

Quem está em sala?

As turmas do Projeto Sal da Terra são formadas após um convite dos próprios professores voluntários, que moram na mesma região dos alunos e conhecem a realidade deles de perto. Conheça alguns estudantes da turma de Bayeux:

Dona Maria de Jesus tem 46 anos e é empregada doméstica. Ela conta que antes de aprender a ler era "cega para a vida" e que hoje, mesmo sabendo pouco, tem mais autonomia. "Agora eu escrevo meu nome, leio o nome de um ônibus e sei o nome do remédio da minha irmã. Eu tô muito feliz".

Severino Ferreira da Silva tem 62 anos e é aposentado. Antes de participar do Projeto Sal da Terra ele chegou a frequentar uma escola, de ensino regular. Mas relatou sentir dificuldade em acompanhar o ritmo da turma, que era mais jovem. "Aqui eu me sinto bem", conta.

Lucinaldo dos Santos, 44 anos, é pescador. Ao Portal T5, ele contou que tinha vergonha de não saber ler e escrever o próprio nome. Mas hoje essa realidade está mudando. "Eu gosto de estar aqui, faço de tudo pra não faltar".


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