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Patroa branca registra queixa de injúria racial contra doméstica em SP

Os policiais registraram o boletim de ocorrência e, na sequência, instauraram um inquérito para apurar possível crime de injúria racial

Por Redação Publicado em
5.898 agentes reforçam cidades paraibanas no pleito do domingo
5.898 agentes reforçam cidades paraibanas no pleito do domingo (Foto: Wagner Varela / Assessoria de Comunicação PMPB)
Foto: Reprodução

ROGÉRIO PAGNAN - SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - A veterinária Ana Luiza Ferraz, 32, procurou a Polícia Civil de São Paulo para registrar uma queixa pouco comum no cotidiano policial: loira e de pele branca, a mulher denunciou ter sido vítima de discriminação racial por parte de uma de suas empregadas.

Os policiais registraram o boletim de ocorrência e, na sequência, instauraram um inquérito para apurar possível crime de injúria racial.

As supostas ofensas racistas foram feitas em abril, quando a funcionária, que havia se desentendido com a patroa, enviou, por engano, uma mensagem de áudio ao marido da patroa, na qual se referia a ela como "encardida do sul" e "cachorra do sul".

A funcionária é uma mulher de 55 anos, branca, e moradora de Taboão da Serra, município da Grande São Paulo. A reportagem tentou contato em cinco números de telefone registrados no nome dela, mas não conseguiu contato.

Após ser demitida, a funcionária passou a enviar outros áudios. A referência ao sul se dá em razão do estado de origem da patroa, o Paraná, e, também, ao sotaque dela, carregado de expressões sulistas.

"A grande maioria dos casos que acontece, que a gente tem notícia, envolve a raça negra, são os casos que mais acontecem mesmo. Mas nada impede que um japonês, ou indiano, enfim, também seja vítima desse tipo de comportamento, que sempre é um comportamento discriminatório", disse o delegado Rubens Barazal, titular do 23º DP (Perdizes).

A presidente da comissão da Igualdade Racial da OAB-SP, Maria Sylvia Aparecida de Oliveira, disse que é possível uma pessoa branca registrar um boletim de ocorrência por injúria racial, já que a lei não especifica raça ou cor da vítima. "Já defendi uma mulher negra, professora, que foi indiciada. A alegação era de que ela estava cometendo racismo contra uma aluna branca, mas nós conseguimos reverter isso ainda durante o inquérito", disse ela.

Ainda segundo a advogada, esse tipo de queixa é pouco conhecido porque o branco, em regra, não se enxerga como pertencente a uma raça. "Ele não se vê racializado, porque acha que raça é só a do outro, do índio, do negro, do amarelo. Para ele, o ser humano universal é o homem branco, heterossexual e de religião judaico-cristã. Os outros é que são raças, os outros são os diferentes", disse.

A queixa foi levada à polícia em abril pela advogada da veterinária, Roselle Soglio, que disse ter percebido um componente racial nas ofensas, já que o parágrafo 3º do artigo 140 do Código Penal qualifica uma declaração como injúria racial se "consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência".

A pena prevista é reclusão de um a três anos, mais multa.

Para o criminalista Augusto de Arruda Botelho, os xingamentos feitos pela funcionária caracterizam, em tese, uma injúria racial. "O que é injúria? Injúria é um xingamento. Você xingar alguém é você injuriar alguém. Injúria racial é quando há um xingamento com critério de raça, etnia, cor, origem. É como chamar de branquela do sul, macaca, baiana, judeu", disse.

Ainda segundo ele, é um ato de discriminação, mas menos grave do que o crime de racismo em si. "O crime de racismo pressupõe uma discriminação a um grupo, e precisa haver uma ação específica contra esse grupo de pessoas. Por exemplo: eu proíbo a entrada de negros e japoneses no meu clube. Isso é um crime de racismo. Eu dificulto o ingresso na minha empresa de pessoas de origem judaica. Ele direcionado a uma coletividade que tem alguma relação a origem, etnia, raça, etc."

Para a advogada Monica Sapucaia Machado, professora de direito constitucional e especialista em compliance de gênero, o xingamento neste caso específico configuraria, em tese, injúria comum, não racial. "O que é uma ofensa? O que é um xingamento? Aquilo que socialmente é considerado ruim. Então, na verdade, ao dizer sua 'encardida do sul', a ofensa é quanto a encardida e não ao sul. Se enquadraria em um caso de injúria? Talvez sim, mas injúria racial? Ser do sul não é considerado, socialmente, uma desvantagem", diz ela.

"Não existe racismo reverso porque se entende como racismo você excluir uma população que já é vulnerável, que não está em igualdade de condições de competir com você. O que a gente precisa combater é a pessoa utilizar a história de cada um como algo pejorativo", afirmou a professora.

Soglio, advogada da patroa, diz que os policiais do Decradi (delegacia especializada em crimes raciais) não queriam registrar o boletim. "Com muito custo foi registrado um boletim de ocorrência. Eles não queriam. Fiquei mais duas horas ali [na delegacia] para ser registrado. Tive de mostrar o documento e foto dela para acreditarem", disse a advogada.

O caso foi transferido para 23º DP (Perdizes), onde um inquérito foi aberto. Ana já foi ouvida.
Segundo relatou a veterinária aos policiais, não havia problemas anteriores com a empregada, com quem tinha pouco contato. Ela afirma que a suposta agressora poderia estar chateada em razão de um empréstimo de dinheiro solicitado, que havia sido negado. A funcionária ainda não foi ouvida pela polícia.


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