Atuação feminina preserva atividade rural na Paraíba

Sementes do futuro são semeadas por integrantes de uma tribo de origem Potiguar que tentam preservar a vegetação na Baía da Traição, município do Litoral Norte paraibano.

Apenas com cinco anos, Gardênia corre pelos atalhos criados em uma tímida área de cultivo de raízes debaixo do sol forte que chega à Aldeia Laranjeiras.

Pelo pouco tempo de vida, a herdeira do sangue indígena ainda não deve compreender a importância dela na representação e continuidade das tradições nativas, mas cresce aprendendo que pode retirar da terra o que precisa para viver.

Ao lado da mãe, a menina desenvolve-se alimentada pelo cultivo de raízes como: macaxeira, milho, batata-doce, inhame, jerimum e legumes. O que brota da terra é cuidado pelas mulheres da aldeia, que também enfrentam uma importante luta contra o desmatamento e degradação do solo.

A terra fértil, antes repleta de pau-brasil e vegetação de mata Atlântica, hoje sofre com o resultado das plantações de cana-de-açúcar que parecem não ter fim. Mais de 500 anos depois, a história é a mesma: o povo indígena continua lutando pela preservação de onde mora.

mulheres do campo

Povo Guerreiro

Identidade, rituais religiosos e culinária são alguns dos elementos culturais intrínsecos que necessitam de resistência para continuar existindo, assim como a terra daquele lugar Potiguar.

A história explica que as batalhas vencidas contra os estrangeiros no período colonial nomearam os habitantes daquela terra de "Povo Guerreiro" no início do século XVI. Com o passar dos séculos, os índios perderam espaço e poder da terra que eram donos.

Na Paraíba, 24 aldeias de população da etnia Potiguar estão no Litoral Norte, segundo a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Além do município de Baía da Traição, fazem parte da região habitada atualmente pelos Potiguaras as cidades de Rio Tinto e Marcação, totalizando um espaço de 31.570 hectares, entre os rios Camaratuba e Mamanguape. Ao redor dessas tribos existem quatro usinas focadas para produção de açúcar ou biocombustível segundo o Etnomapeamento dos Potiguara da Paraíba, publicado pela Fundação Nacional do Índio (Funai).

A reportagem do Portal T5 foi recebida pelos membros da aldeia Laranjeiras, que possui pouco mais de 10 hectares, destes apenas 4 possuem plantio. Esse grupo de índios disse não para os novos exploradores do solo, dessa vez, os usineiros.

Atualmente, o Ministério da Agricultura e a Funai protegem a demarcação e preservação do espaço de terras indígenas no país. A Constituição de 1988 determinou que os direitos são de natureza originária. Os índios têm a posse das terras, que são bens da União.

Todavia é permitido por lei que arrendatários possam estimular a plantação e comercialização de cana-de-açúcar nesses terrenos. Por mais de 30 anos, a exploração na região gerou prejuízo a diversidade biológica e gerou crescimento no processo de erosão. Acabando aos poucos com as atividades essenciais para os indígenas: coleta e caça de alimentos. “Os índios também precisam de dinheiro e não existe hoje a cultura ou incentivo de agricultura familiar nessa região. Então é mais fácil desmatar e formar canaviais, mas isso agride muito o solo. Esse tipo de plantio deixa o terreno praticamente infértil, por conta do uso de agrotóxicos e da colheita com a queima do solo”, explicou o índio graduado em Biologia, Breno Xavier.

Além da terra, a produção agroindustrial também interfere na pesca e na criação de camarão, por conta do despejo de resíduos nos rios que cortam as reservas feito pelas usinas de álcool, conforme um levantamento do Fiocruz.

IMERSÃO CULTURAL

A mãe de Gardênia, a índia Dani Félix tem mais dois filhos. A eles, a mulher ensina tudo o que aprendeu desde cedo com a família. Em conjunto com a maternidade os valores da agricultura são repassados por gerações. "Temos que ter mais responsabilidade dentro de casa com os nossos filhos e principalmente quando ficam doentinhos, também temos mais ainda o dever de cuidar dos nossos filhos e da nossa cultura", afirmou.

Raízes e ervas cultivadas na plantação de quatro hectares geram renda para os integrantes da aldeia, mas o apurado não é muito. A escolha de não plantar cana-de-açúcar, em benefício da conservação do solo, trouxe consequências para economia do grupo.

A dificuldade gerou inovação. Para aproveitar a capacidade turística da cidade litorânea, a Aldeia Laranjeiras abriu espaço para visitantes criando o Balneário Lazer Potiguara, onde os turistas entram em contato com a cultura indígena.

Uma imersão na religião é feita para os visitantes com a celebração do Toré, expressão da marca étnica dos potiguaras reprimida pelos portugueses por, entre vários motivos, o uso da planta Jurema durante o ritual. Os colonos acreditavam que o costume e a erva faziam referência à magia, prática sufocada pela ideologia católica.

O som dos maracás, instrumento musical usado para celebração das danças e cânticos, é entoado no interior de uma tradicional oca, onde não se pode entrar sem permissão e apenas com os pés descalços.

A culinária também é servida com o preparo de peixes, camarões e mariscos, todos pescados pelos indígenas nos rios que banham a aldeia; além do acompanhamento das raízes preparadas na cozinha à lenha do ambiente.

O cultivo, colheita e preparo dos alimentos realizado pelas mulheres, assim como o cuidado dos filhos, são atividades fundamentais da cultura e determinados há milhares de anos.

Para as indígenas, cada elemento do meio ambiente é sagrado e requer responsabilidade genuína, assim como em um lar.

As lutas enfrentadas hoje têm a mesma motivação de tempos passados: a preservação da terra onde vivem e a esperança de não deixar a natureza virar apenas história do passado. O futuro refletido no olhar das crianças daquela aldeia expressa a resistência dos povos e a garra contra a ganância do homem branco que insiste em destruir a casa onde habita.