Estudantes levam conhecimento e esperança de ressocialização a detentos de presídio paraibano

O Portal T5 percorreu mais de 130 KM até Campina Grande, no Agreste da Paraíba, para contar a história de apenados do Presídio do Serrotão que estão tendo a vida transformada através da educação

Uma enorme estrutura, cercada por ferro e muros altos, isola os detentos que cumprem pena no Complexo Serrotão, em Campina Grande, Agreste da Paraíba. São 12 hectares. É o maior espaço para abrigar presos na Paraíba. Para lá são enviados os condenados pela justiça e os que ainda aguardam julgamento.

São homens e mulheres divididos em três unidades: Penitenciária Máxima, Presídio Feminino e a Penitenciária Raymundo Asfora. Esta última é conhecida como “Serrotão”, com capacidade para pouco mais de 300 presos, mas que hoje abriga 1.215, distribuídos em 9 pavilhões.

Há rigor para ter acesso ao interior da unidade. Somente pessoas autorizadas podem entrar. É nesse ambiente que a esperança começou a ser cultivada há cerca de um ano.

A missão proposta pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) é clara, mas não simples: ressocializar. Dezoito apenados, que apresentaram bom comportamento, foram selecionados para participar do Projeto Meio Ambiente & Ressocialização.

Este é um dos 480 projetos desenvolvidos pela entidade e recebeu apoio financeiro do Ministério da Educação. Foram investidos R$ 98 mil.

Pé na estrada

Uma vez por mês seis estudantes do curso de Ciências Agrárias saem de casa de madrugada, encaram mais de quatro horas de viagem e cerca de 400 km do município de Catolé do Rocha, Sertão da Paraíba, até o Presídio do Serrotão. Eles se juntam aos dois alunos de Agroecologia do câmpus de Lagoa Seca e mais dois do curso de Jornalismo, em Campina Grande, para compartilhar seus conhecimentos e proporcionar aos detentos a possibilidade de sonhar com dias melhores.

Com ajuda dos alunos, os apenados aprendem a fazer manutenção de canteiros, enxertia, a preparar adubo verde e a cultivar a horta vertical. Além da ressocialização, o trabalho pode levar os apenados a desenvolverem o empreendedorismo, possibilitar a geração de renda, trabalho, consciência ambiental, inclusão social e sustentabilidade.

Mais que passar conhecimento, é preciso acreditar na mudança. Mudança de comportamento e de hábitos. É nisso que acredita a estudante do 4º período de Ciências Agrárias Vitória Caroline da Silva Soares. Ela herdou dos avós e pais agricultores o amor pela terra. Em seu curso, um dos desafios foi integrar a equipe que levaria conhecimento técnico aos reclusos do Serrotão.

“Me chamou atenção por não ser um projeto comum, se compararmos com outros projetos dos quais participamos. Foi algo inovador. A princípio fiquei com um pouco de receio por se tratar de um presídio, mas eu me surpreendi quando cheguei aqui. O projeto é bastante gratificante, sem contar que é de grande importância para o meu crescimento e o dos meus colegas com relação à profissão que vamos exercer futuramente”, destacou.

Mas a impressão inicial era outra. Ela precisou lidar com a presença de armas, vigilância constante e com o preconceito. Agora, a jovem considera a experiência um diferencial em sua carreira. “Na primeira vez que entrei fiquei com um pouco de medo, confesso, mas passados os 30 primeiros minutos mudei totalmente a visão que eu tinha. Eles nos receberam muito bem, foram bastante atenciosos e acolhedores. Fazer esse trabalho no presídio mudou o ponto de vista que eu tinha”, disse.

Fábio Henrique também é aluno de Ciências Agrárias e um dos entusiastas do projeto de ressocialização. “Quando vi o tema do projeto não pensei duas vezes, quis fazer parte. Pensei em tentar melhorar a vida dessas pessoas que muitas vezes não têm oportunidade. Repassar esse conhecimento é uma forma de ajudar o próximo. Dá para perceber que muitos deles realmente têm talento para área. Esse projeto traz o conhecimento que eles não tiveram a oportunidade de obter lá fora”, ponderou.

CAPACITAÇÃO

A capacitação para os apenados inclui também a produção de hortas e jardins suspensos. Eles podem ser instalados em espaços pequenos, como apartamentos, áreas de serviço ou em locais abertos. O baixo custo para o investimento é apresentado como uma opção viável para geração imediata de renda.

“As oficinas que são ofertadas no projeto conseguem dar aos apenados, após o cumprimento da pena, a possibilidade de geração de renda. Por exemplo, existem os jardins suspensos, que são feitos através do reaproveitamento de garrafas PET. O material que antes era jogado no meio ambiente pode ser reutilizado para plantio de mudas de ervas medicinais. Eles podem vender esses jardins suspensos no mercado a R$ 10 a peça e o custo é praticamente zero’, esclareceu o professor.

SUSTENTABILIDADE

O projeto também educa para a sustentabilidade. Os detentos reciclam o óleo de cozinha usado, que seria descartado, como matéria-prima para a produção de sabão artesanal. Também aprendem a fazer sabonete a partir da babosa.

O coordenador do projeto, professor Edivan Nunes, reforça que a capacitação traz a possibilidade efetiva de geração de renda. O objetivo também é trabalhar o empreendedorismo. Além de repassar os conhecimentos técnicos sobre o cultivo de frutas e hortaliças, há a preocupação em capacitá-los para transformar a matéria-prima em produtos que possam ser comercializados. É o caso do sabão glicerinado produzido pelo grupo.

“Essa é mais uma das práticas do projeto. Nós utilizamos uma planta que já tem na horta, nesse caso específico a babosa. Junto a ela é adicionado um quilo de glicerina sólida. É o único investimento que eles vão precisar fazer, algo em torno de R$ 18 reais. Depois de feito todo o processamento, como triturar e dissolver a babosa, dessa mistura é confeccionado o sabonete glicerinado. Ele pode ser usado para limpeza de pele e é utilizado por pessoas que querem combater a acne, por exemplo. O resultado é considerável”, destacou.

Da horta nasce a esperança

No meio dos mais de 12 hectares de terra, um espaço verde se destaca. É desse pedaço de chão que nasce a esperança de dias melhores. Esperança compartilhada pelos 18 participantes.

Há quase um ano, desde que foi iniciado, o projeto vem conquistando bons resultados. Pimentões, cenouras, cebola, coentro, mamão e maracujá são somente alguns itens entre frutas e verduras colhidos pelos detentos do Presídio do Serrotão.

Antes, o plantio era feito de forma desordenada e sem critérios técnicos. Com a abordagem e intervenção dos alunos da UEPB, o aproveitamento das sementes, assim como a produtividade, alcançou o patamar considerável.

“Como profissional, fico muito feliz por coordenar um projeto para uma parcela da população que, de certa forma, vive à margem da sociedade. Eles cometeram erros e estão pagando por eles e a universidade tem um papel fundamental nessa proposta de ressocializar. Nós somos apenas um parceiro dentro dessa proposta grande que a UEPB tem em colaborar para que eles possam ser reinseridos na sociedade”, analisou o professor Edivan Nunes, coordenador do projeto.

Transformação

Um pouco de liberdade

Cumprindo pena há mais de cinco anos, Godofredo dos Santos reconhece que sem a intervenção dos educadores seus dias no presídio seriam mais difíceis. Ele, inclusive, é um dos pioneiros no projeto. Conhece cada espaço da horta, experiência que trouxe dos anos em que esteve em liberdade. São as memórias que ele guarda do sítio onde morava em São Domingos do Cariri.

“Depois que esse projeto foi iniciado a gente começou a trabalhar mais à vontade, começou a produzir um fruto melhor. Agora a gente tem carroça, tem adubo, mangueiras, sementes, pá e picareta. O professor (Edivan) foi uma pessoa enviada por Deus”, explicou com seu jeito simples.

Mas não é só o conhecimento adquirido que o empolga. Fazer parte do grupo que trabalha na horta traz ainda a sensação de “liberdade”. “Com certeza nossa vida é transformada através desse projeto.

Para o grupo de detentos, a reclusão é amenizada com o trabalho na horta e no pomar. Diferente dos outros presos, eles pode circular nas áreas comuns, andar quase livremente.

"Nos pavilhões é uma realidade, aqui é outra. Nós estamos presos, estamos entre as quatro paredes. A gente não pode fazer o que quer, não pode sair, mas aqui há uma diferença grande. A gente tem a liberdade de ver um carro, de ouvir um passarinho cantar. O dia passa e a gente nem vê”, relata.

Mas o homem de cabelos grisalhos e aparência forte também se emociona. Os olhos ficam marejados quando ele lembra da família e ao falar dos amigos. Mesmo longe e vivendo na condição de detento, Godofredo ainda acredita que existe felicidade entre as paredes de um presídio.

"Eu me emociono pela amizade que eu tenho com as pessoas aqui e pela confiança que adquiri dos diretores. Eu espero em Deus que eu possa sair daqui um vencedor. A justiça da terra está sendo feita”.

É gratificante levar conhecimento para uma parcela da população que, de certa forma, vive à margem da sociedade. Eles cometeram erros e estão pagando por eles.

Edivan Nunes, professor da UEPB

Aprendendo com os erros

Ubiracy Batista foi condenado pela justiça a cumprir 13 anos e 6 meses e está no Presídio do Serrotão há pouco mais de cinco. Cresceu entre agricultores e antes de ser preso trabalhava fazendo transporte alternativo entre Campina Grande e Caruaru-PE.

Ele explica que trabalhar na horta funciona como uma terapia. “Trabalhar nessa área do presídio me faz sentir em casa. Dá para sentir uma pontinha de liberdade porque aqui nós temos uma visão bem melhor do que quem está nos pavilhões. Tenho isso aqui como um escape, por não estar trancafiado numa cela sem ver a luz do sol e sem espaço físico para transitar".

A dificuldade enfrentada diariamente não é suficiente para fazê-los esquecer dos seus sonhos. Ubiraci tem o dele na ponta da língua. As lágrimas caem. "Meu maior sonho é me reabilitar. É mostrar que errar é humano e insistir no erro é burrice. Não tenho dificuldade em olhar nos olhos de quem quer que venha aqui no presídio, até porque se foi cometido um erro e a justiça da terra achou que eu tenho que pagar, eu tenho que cumprir isso”, disse.

O perdão pelo trabalho

A cada três dias trabalhados, os apenados têm um dia diminuído de suas penas. Pode parecer pouco, mas para quem está sempre cercado por câmeras e sob a vigilância rigorosa dos agentes, cada dia a menos é celebrado. Assim como cada oportunidade de adquirir conhecimentos técnicos.

“A lei permite aplicar essa prática aqueles que estão participando do projeto ao final certamente terá uma redução do quantitativo de dias que foi proporcional aos dias de execução das atividades do projeto. Nós conseguimos perceber claramente que vários detentos vão ter a oportunidade de, após o cumprimento da pena, ter esses conhecimentos técnicos postos em prática. O interesse é claro, a gente vê isso no rosto dos participantes. Isso nos deixa muito felizes”, opinou Edivan Nunes.

A mudança de comportamento e a evolução dos apenados é nítida, segundo o diretor adjunto do Presídio do Serrotão, Queiroz Júnior. “Nós notamos o interesse dos apenados que trabalham aqui. Eles querem se capacitar e, inclusive, já tem alguns que estão querendo montar uma espécie de cooperativa ou algo do tipo, quando saírem”.

Quanto ao projeto, a direção estuda a continuidade, estendendo para a área fitoterápica. “Nós pensamos em ampliar com a parte fitoterápica. Por estarmos em Campina Grande, uma região relativamente fria, temos muitos problemas de saúde e especialmente respiratórios. Pensamos que nós poderíamos trabalhar melhor com essa questão de fitoterapia para não depender apenas de medicamentos fornecidos pelo governo e trabalhar com a parte natural, homeopática”, revelou.

Eu me emociono pela amizade que eu tenho com as pessoas aqui e pela confiança que adquiri dos diretores. Eu espero em Deus que eu possa sair daqui um vencedor.

Godofredo dos Santos, apenado
Voltar ao Topo