Especial Portal T5

Transposição: as águas que mudaram a vida dos paraibanos

Série especial de reportagens do Portal T5 percorreu 466 km para contar a história de paraibanos que tiveram a vida transformada com as águas do Rio São Francisco.

Camalaú - PB

Seu Geraldo

Trabalhando na roça desde os oito anos, os olhos do agricultor Geraldo Sales viram muitas vezes a plantação secar, o gado morrer de fome e a terra da lavoura virar pó.

Quem não foi embora e continuava em sua terra, para se manter, teve que mudar de atividade na última estiagem. Cortar madeira para vender foi a única opção para sobrevivência. Para o gado, o alimento era a vargem da algaroba, planta forte como o sertanejo, que sobrevive ao clima quente e seco do Cariri.

O município de Camalaú, com sete mil habitantes, abriga um açude com capacidade de 48.000 m³, que abastece a cidade e encaminha água para o reservatório de Boqueirão.

Nos últimos anos, a estiagem fez o nível de armazenamento do açude baixar e os moradores da cidade viram a falta d'água virar rotina.

A última seca só findou com a chegada das águas do Rio São Francisco vindas pelo caminho do Rio Paraíba até a plantação de seu Geraldo no dia 20 de março de 2017. Antes da transposição, o açude registrou 5,8% da capacidade total.

"Os últimos sete anos foram de seca e não tínhamos mais condições de trabalhar. Ninguém plantava nada, quem plantasse perdia. Dava uma chuvinha no começo do ano, mas a lavoura ficava desse tamaninho", contou, lembrando os tempos difíceis.

A realidade hoje tem outra cor. Na verde plantação de milho do agricultor, que a equipe de reportagem do Portal T5 visitou, brotam os frutos das águas vindas da transposição. "Quem é que vive sem água? Ninguém pode viver assim. Quando apareceu essa história que vinham as águas, as pessoas não acreditavam, mas eu dizia que viria, ia chegar o dia de vir, Deus é grande, né?! E a água chegou", disse.

Ao fim daquele dia de trabalho colhendo e arando a terra, o céu nublado preparava chuva e, antes do sol se pôr, a cadência das cores de um arco-íris espelhavam a esperança de um bom futuro nos olhos do agricultor.

CAMALAÚ - PB

José de Deus

Na mesma região, a falta de chuvas fez o nível do açude baixar e também afetou a produção da pesca para 250 trabalhadores da cidade.

Com as redes vazias, a maioria deles foi embora quando sentiu a única fonte de renda secar. "O açude foi baixando e a gente foi sentindo a dificuldade. Com isso, os pescadores tiveram que ir para outros açudes em Pernambuco a mais de 200 km", contou José de Deus, representante da Cooperativa de Pescadores de Calamalaú.

O homem que desde a infância tira das águas o sustento da sua família - assim como os irmãos, pais e avós - não tem experiência em outra ocupação.

Segundo o pescador, do rio são tirados peixes como tilápia, pial e traíra para a preparação e venda do produto em estabelecimentos e instituições públicas da região.

"Estes anos de seca foram terríveis. Faltava tudo, não apenas o milho no roçado plantando, mas como faltava também o básico para sobrevivência humana, que é a água. Com a chegada das águas do São Francisco, um momento de alegria, as pessoas renovaram a esperança de terem dias melhores em suas vidas", disse o historiador Maricélio Januário, morador do município.

José de Deus espera que a retomada do fornecimento da água traga de volta as famílias que foram embora de suas casas. "Isso é um sonho. Sonho que meus pais já falavam, um dia iria ter transposição aqui e agora chegou. A expectativa é muito boa para podermos criar nossos peixes e ter nossas frutas. Ter o prato cheio", revelou confiante.

Boqueirão - PB

José Emiliano

As mãos calejadas e as expressões fortes poderiam aparentar que a vida não foi generosa, mesmo assim, o agricultor José Emiliano não precisou de muito para desenhar um sorriso no rosto quando foi abordado por nossa equipe de reportagem.

O Portal T5 chegou a Boqueirão, município do Cariri da Paraíba com aproximadamente 17 mil habitantes e localizado a 169 quilômetros da capital do estado. O local abriga o açude Epitácio Pessoa, que abastece a região e é responsável pelo fornecimento de água para 19 municípios.

O reservatório também não escapou de estiagem e atingiu diretamente a comunidade ribeirinha da região.

As plantações de subsistência não floravam e atingiram diretamente a renda e alimentação dos moradores.

"O agricultor vivia do Bolsa Família ou quem tirava um Seguro Safra, muito sofrido, assim mesmo rateado também, mas outra coisa não tinha solução aqui não". Sem comida para os animais, o jeito para não vê-los sofrer foi a venda a qualquer preço. "Morreu muito bicho de fome , a gente vendia para não ver sofrer, para não ver morrer", revelou.

As águas vindas de Camalaú começaram a abastecer o Boqueirão e com o aumento do nível do reservatório, o açude que registrava 3% em março de 2017, ultrapassou 35 % em abril deste ano. "É só alegria, dá vontade de chorar quando enxergamos como está hoje". Mesmo em tempos de fartura, a grande quantidade de água não faz Seu José esquecer os tempos difíceis. Sem ler ou escrever, a vida ensinou que nada dura para sempre. "A transposição é feita pela mão do homem, não é garantia não", disse.

"Todo mundo deveria tomar só a quantia de água que era de ser, não é? Se você vai tomar só um copo d'água, não tire um copo e meio não, tire só um copo e deixe lá, porque ela pode faltar a qualquer momento, né? Que Deus nos defenda"

José Emiliano