Especial Portal T5

Transposição: as águas que mudaram a vida dos paraibanos

Série especial de reportagens do Portal T5 percorreu 466 km para contar a história de paraibanos que tiveram a vida transformada com as águas do Rio São Francisco.


"E se somos Severinos
iguais em tudo na vida,
morremos de morte igual,
mesma morte severina:
que é a morte de que se morre
de velhice antes dos trinta,
de emboscada antes dos vinte
de fome um pouco por dia"

Os versos de João Cabral de Melo Neto escritos em 1955 poderiam representar o Nordeste do Brasil desde a sua mais remota escrita histórica.

O nordestino na maioria das vezes foi visto ou descrito como homem forte que enfrenta a seca da vegetação, a fome, a falta d'água e a morte do seu rebanho.

Para muitos, a esperança poderia vir apenas da água que caísse do céu para amenizar o sofrimento. Alguns foram embora e tentaram a vida na cidade, outros ficaram e esperaram que a chuva viesse para molhar a terra.

Até os mais velhos já ouviam falar que o sertão poderia virar mar e não era apenas poesia ou verso de música. A ideia de transportar as águas do Rio São Francisco para sanar a seca da região não é recente, desde o século XIX o projeto passou pelas mãos de muitos governantes até se tornar realidade.

De acordo com o governo federal, a água transportada por canais deve beneficiar 390 cidades do semi-árido nordestino através dos eixos leste e o norte.

Com a conclusão completa do projeto, deve-se garantir segurança hídrica para 12 milhões de pessoas. Na Paraíba, o Eixo Leste da Transposição foi inaugurado em março de 2017.

"O projeto tem mais de 150 anos desde que foi acolhido pela primeira vez, ainda na época do império, quando uma comissão científica foi montada para estudar a possibilidade de interligar o Rio São Francisco com a chamada porção setentrional do Nordeste brasileiro. Com o passar do tempo o caráter fundamental da importância da obra ganhou um novo viés, que foi a segurança hídrica para o abastecimento público humano", explicou o professor Francisco Jácome da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

1ª Parada

Monteiro - PB

A cidade de Monteiro acolheu primeiro as águas do Rio São Francisco e foi por lá que o Portal T5 iniciou a viagem para conhecer os impactos da transposição na vida dos paraibanos.

Para chegar até o estado, a água do Velho Chico atravessou mais de 100 municípios de Pernambuco, por 217 quilômetros de canais, aquedutos, cânions em rochas, reservatórios que regulam o volume de água e estações de bombeamento.

O município do Cariri é abastecido pelo açude de Poções, que tem capacidade de armazenar quase 30.000.000 m³ de água.

Antes da transposição, o volume chegou a 0,61%, o que corresponde a 180.000 m³. Em apenas um mês, após a entrega das obras, o reservatório chegou a 8% de sua capacidade.

A seca que castigou por anos a cidade de 33 mil habitantes nunca saiu da memória de Martinho Almeida, funcionário público do município. Ele lembra dos tempos difíceis e reconhece o valor da transposição. "Por mais que a gente fale, não dá para dimensionar a grandeza dessa obra que foi muito bem-vinda. Só sabe quem sofreu com a lata d'água na cabeça andando por até 10 quilômetros a pé, de jumento ou bicicleta. Só sabe quem passou por isso. Esta obra trouxe o que o sertanejo mais precisava: a água", disse emocionado.

Nos últimos sete anos a falta de chuvas feriu o solo do Cariri e de parte do Agreste, que enfrentou racionamento de água por mais de dois anos. Em Monteiro, as quase oito mil residências da zona urbana do município só tinham água na torneira uma vez por semana.

Só sabe quem sofreu com a lata d'água na cabeça andando por até 10 quilômetros a pé, de jumento ou bicicleta. Só sabe quem passou por isso. Esta obra trouxe o que o sertanejo mais precisava: a água

Martinho Almeida

Para o presidente da Agência Executiva de Gestão das Águas do Estado da Paraíba (Aesa), João Fernandes da Silva, a ajuda quase divina das águas de São Francisco e de São Pedro deram segurança hídrica aos municípios afetados. “A transposição cumpriu o papel fundamental de preparar o Rio Paraíba para receber as águas das chuvas. Além disso, antes da chegada das águas do São Francisco, tínhamos aproximadamente 10% da capacidade de armazenar água nos açudes, hoje temos 25%”, contou.

A transposição teve o fluxo de águas desativado temporariamente por ajustes nas obras dos açudes de Poções e Camalaú no dia 20 de março deste ano. "Isso aconteceu de forma planejada por conta da necessidade do término das obras de recuperação e manutenção nos canais dos açudes", disse João Fernandes. Ainda de acordo com o presidente da Aesa, a previsão de conclusão é de quatro a cinco meses.

Desde a inauguração, moradores comemoraram e fizeram a economia da cidade girar. O ponto de encontro das águas do São Francisco com o Rio Paraíba virou atração turística. "Chegavam muitos ônibus com pessoas de longe para ver as águas do Rio. Para nós era uma alegria ver tanta gente, assim podíamos vender nossas coisinhas e pagar nossas contas", contou Maria do Livramento, comerciante que montou uma barraca às margens do local.

Hoje, comerciantes continuam situados na área aguardando o retorno da passagem do Velho Chico por Monteiro. "Estamos esperando a água voltar e a organização das barracas para os negociantes", completou a vendedora.

Em Monteiro, assim como as águas do Velho Chico, a vida segue o percusso de dias melhores para os moradores da cidade. De lá, o Portal T5 seguiu viagem para o município de Camalaú, onde conversamos com pescadores e agricultores da região.