Porque aliados de Cícero insistem em anunciar voto em João e porque João repele
A situação é complexa, mas existem explicações
*Coluna atualizada 07/10/2025 às 09h54
Um dos intrigantes enigmas da atual fase da pré-campanha eleitoral na Paraíba tem sido o posicionamento do prefeito Cícero Lucena e aliados em relação ao governador João Azevedo e a reação do governador e aliados em relação ao posicionamento do prefeito pessoense e entorno.
De um lado, os ciceristas insistem em afirmar e reafirmar apoio à candidatura do governador João Azevedo ao Senado e em declarar que o prefeito da Capital se desligou do Progressistas e que não houve rompimento com o governador.
Não são conversas de bastidores nem de assessores. Há poucos dias, o deputado Mersinho Lucena, filho de Cícero, chegou a dizer, em entrevista, que votaria em João, e ainda neste fim de semana a imprensa fez registros de declarações de Cícero repetindo que não havia rompimento com o governador, mas apenas afastamento do partido (PP).
Há também insistência no discurso de que a candidatura de Cícero a governador tem o propósito de dar continuidade ao projeto de desenvolvimento implantado pelo governador João Azevedo.
Do outro lado, o próprio governador João Azevedo repeliu, de pronto, o discurso do prefeito Cícero Lucena no início de setembro,
momento do comunicado oficial da candidatura do prefeito, afirmando que não aceitaria essa “coisa” de dois palanques e tem repetido a rejeição aos apoios cruzados em vários entrevistas, inclusive fazendo cobranças públicas ao vice-prefeito Léo Bezerra, que é do PSB. A rejeição ao comportamento político fluído tem sido sempre reforçado pelo secretário Tiberio Limeira.
Diante do inusitado quadro, importa, então, entender por que ao prefeito Cicero interessa tanto fazer o eleitor acreditar que ele não rompeu com o governador e, na outra mão, obriga João a publicamente rejeitar apoios, quando a lógica eleitoreira é a de candidato não enjeitar votos.
A situação é complexa, mas existem explicações.
Da parte de Cícero, pesaria não dispor de um motivo plausível para justificar o brusco corte das relações com o governador João Azevedo, que vinha cumprindo as promessas de parceria sem hesitação.
É muito provável que pesquisas internas tenham apontado mais “culpa” ao prefeito pelo rompimento do que ao governador. Tanto que o discurso de apoio a João voltou com intensidade nos últimos dias.
Outra razão seria a necessidade de certa coerência de discurso. Nos últimos anos, Cícero sempre fez a defesa e elogiou a gestão do governador João Azevedo. O que dizer, então, de uma hora para outra? A crítica não apenas pareceria incoerente, mas injusta.
Essas seriam as explicações mais plausíveis para os ciceristas não quererem se separar do governador. A verdade é que Cícero não teria ainda encontrado um discurso para justificar o afastamento político do governador João Azevedo.
Podem haver outras razões, como a possibilidade de a gestão do governador estar recebendo boa aprovação na Capital e a facilidade de interlocução com prefeitos e lideranças do interior, que não abrem mão do apoio ao governador.
Registre-se ainda que não se deve descartar o sincero desejo do prefeito Cícero de não apenas manter boas relações com o governador João Azevedo e até de retribuir os apoios recebidos nas últimas eleições.
Do lado do governador, a situação talvez seja um pouco mais complexa e inusitada. Do ponto de eleitoral, nenhum candidato rejeita votos ou repele apoios como está o ocorrendo na Paraíba.
O problema seria que, se João Azevedo aceitar a ideia do palanque duplo ou apoios fluidos em João Pessoa, pode abrir precedente perigoso para que, em todo o Estado, o prefeito Nabor Wanderley e até os concorrentes façam acordos cruzados. É preciso lembrar que acordos dessa natureza já provocaram derrotas inesperadas e eleições não previstas na história recente da Paraíba.
Além disso, a aceitação do apoio de Cícero pode gerar, para o governador, uma situação de completa desconfiança entre seus principais aliados (Progressistas de Aguinaldo Ribeiro e o Republicanos de Hugo Motta). Uma desconfiança que pode até causar desarranjo na campanha da aliança governista como já ocorreu em outras eleições na Paraíba.
Outra razão para o governador fechar as portas para declarados apoios ciceritas e até a possibilidade de posição dúbia do vice-prefeito Léo Bezerra estaria na necessidade de consolidar a candidatura do vice-governador Lucas Ribeiro e fazer crescer nas pesquisas. A “coisa” dos dois palanques, como definiu governador, certamente, causaria sangria nos apoios a Lucas Ribeiro num momento decisivo para consolidação do projeto.
Pode-se até nem se imaginar, mas é possível que também existam questões pessoais balizando a posição do governador João Azevedo. Ele não é um politico de carreira e visivelmente ainda não aceita o jogo de rompimentos e adesões da política da Paraiba como natural. Parece avaliar ainda que o jogo duplo de apoios, se aceito por ele, fere sua ética e tende a desmoraliza-lo. Talvez este seja um ponto bastante sensível e capaz de causar estremecimentos políticos mais fortes na pré-campanha eleitoral em João Pessoa e no Estado.
Por tudo, embora os movimentos das principais forças políticas do Estado estejam apenas começando, talvez a disputa eleitoral no período 2025/2026 seja marcada por rompimentos que não eram esperados. O caso Cícero e João é um deles. Há quem ainda conserve esperança de um último entendimento político na aliança PSB/Progressistas/Republicanos. Talvez, porém, as atitudes adotadas até agora já tenham atingido o ponto de não retorno. Ou como se dizia em tempos não tão distantes: trata-se de cristal trincado. Raramente tem conserto.



