PEC da Blindagem tem alma corrupta e golpista
A política tem deixado o país um tanto atarantado.
O que a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) da Blindagem, aprovada na Câmara dos Deputados e encaminhada ao Senado, efetivamente blinda ou protege?
A ideia, por tudo que foi dito da tribuna da Câmara e em entrevistas, é a de proteger deputados e senadores da ação da Justiça. Contra eles. Por isso estabelece que a abertura de ações criminais contra parlamentares exige a aprovação prévia da Câmara e do Senado em votação secreta. Por isso estabelece que a manutenção de prisão em flagrante de parlamentares em casos do cometimento de crimes inafiançáveis exige aprovação do Congresso em votação secreta. A continuidade do processo também.
Interessante, então, verificar o rol dos crimes inafiançáveis no Brasil: racismo, tortura, tráfico ilícito de intorpecentes, terrorismo, crimes hediondos e a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.
E quais são os crimes hediondos? São as infrações de extrema gravidade, que incluem homicídio qualificado, latrocínio, estupro, extorsão mediante sequestro, genocídio e epidemia com resultado morte, entre outros delitos graves.
A razão e o bom senso mandam indagar: merece alguma blindagem ou proteção contra a ação da Justiça alguém, qualquer pessoa que seja, que cometa algum desses crimes relatados? Algum senador ou deputado, com a responsabilidade que deve ter, merece proteção para não ser alcançado pela Justiça no caso da prática de crimes inafiançáveis ou hediondos?
Essas são duas questões tão exdrúxulas que somente uma pessoa rigorosamente anômola seria capaz de responder positivamente.
Pois a Câmara dos Deputados do Brasil é composta por cerca de 340 integrantes totalmente anômolos (as votações de aprovação variaram entre 344 e 354 votos).
A anormalidade chega a ser bestial. Veja-se que, mesmo que o propósito seja, de fato, gerar uma situação de anomalia, não se tem tantas notícias assim do cometimento de crimes inafiançáveis ou hediondos por congressistas que possam merecer blindagem tão generalizada. Difícil entender esse estúpido movimento.
Observando-se com atenção o rol de crimes inafiançáveis e hediondos, objetos de blindagem em parte da PEC, a suspeita que surge é a de que o ponto de preocupação coletiva pode ser, na verdade, os dispositivos que enquadram as ações contra a ordem constitucional e o Estado de Direito. Ainda haveria, agora, necessidade de proteção aos golpistas e ficaria assentada a blindagem futura. Só desse modo talvez seja possível sondar o desvario parlamentar nacional.
Mas há mais perplexidade no ar. Durante a discussão da PEC em plenário, deputados do PL vociferaram bastante sobre suposta perseguição do Supremo Tribunal Federal (STF) ou do ministro Alexandre Morais como motivos a justificar a blindagem.
É verdade que existe um ex-deputado preso e uma meia dúzia de parlamentares respondendo processos por ataques a
ministros. Mas os casos não são muitos. Haveria, então, necessidade de uma blindagem tão ampla? Não daria para resolver o problema definindo-se mais amplamente os limites da imunidade da ação parlamentar em plenário e a sua extensão para a imprensa e meios de comunicação?
Vista a partir desse ponto a blindagem geral prevista na PEC soa novamente extravagante.
O que conjecturar, então, de iniciativa tão retrógrada do ponto de vista democrático?
Além da ostensiva falta de noção e do espírito corporativo reinante,
que têm levado grande parte dos políticos brasileiros a viveram em situação de realidade paralela dissociada da vida real do país, que levam os parlamentares a se imaginarem uma casta imune e acima da Constituição e das leis, existem, sim, duas razões que talvez expliquem a insânia da PEC da Blindagem.
A primeira, gravíssima, é a proteção da corrupção. As informações são de que algumas dezenas de parlamentares estariam sendo investigados por desvios de emendas ao orçamento, com o agravante de estarem sob o escrutínio do ministro Flávio Dino (STF).
A corrupção é uma triste realidade brasileira. Atinge políticos de praticamente todos os partidos e gera prejuízos imensuráveis para a saúde, educação, segurança e infraestrutura em todos os recantos do país.
Despudoradamente, com essa PEC da Blindagem, os deputados transformam o parlamento num grande antro de ladroagem de recursos públicos e abrem as portas para a proteção de elementos do crime organizado.
Ainda mais grave, a segunda razão dessa desatinada proposta de emenda à Constituição tem a clara intenção de violentar, desmerecer, enfraquecer e diminuir o Supremo Tribunal Federal (STF). Os pronunciamentos expuseram essa sanha.
A direita bolsonarista expõe sede de vingança pela condenação ao ex-presidente Jair Bolsonaro e de outros envolvidos em atos golpistas. Responsabilizam o Supremo e o
ministro Alexandre Morais pelo insucesso das tramas na busca de manutenção do poder por meios ilegais. A direita tradicional se mantém a reboque do ex-presidente Jair Bolsonaro,
dependendo de apoio para as próximas eleições, e tem se associado a praticamente todas as pautas antidemocráticas. Então, é isso: uma cruzada para tentar anular a Justiça, uma continuidade do golpe intentado.
Em suma, a PEC da Blindagem, que é uma das maiores vergonhas do C, tem alma corrupta e golpista.



