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Coluna - Josival Pereira

Sobre drogas, Congresso deveria ouvir advogado Deusimar Guedes

Em entrevista ao programa Tambaú Debate, especialista abordou a questão das drogas

Por Josival Pereira Publicado em
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(Foto: Freepik/Reprodução)

Com a polarização da política, algumas pautas de costume voltaram à pauta de discussão. A questão das drogas é uma dessas pautas. No STF (Supremo Tribunal Federal), os ministros avançam no julgamento de uma ação que discute a descriminalização do porte de pequena quantidade de maconha para o consumo pessoal. A reação no Senado foi a apresentação de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que prevê a criminalização de qualquer quantidade de drogas.

A polarização também atinge a sociedade, embora pesquisas recentes apontem que mais de 70% da população é contra a discriminação das drogas.

O problema é que não existe uma legislação clara sobre o assunto e são muitos os casos em que juízes condenam usuários com pequenas quantidade de drogas como traficantes.

O debate em relação a políticas públicas sobre drogas virou embate ideológico, segundo o advogado e psicólogo Deusimar Guedes, que estudo o problema há mais de 40 anos, sendo 30 deles como policial federal.

Deusimar não concorda coma criminalização do porte de pequenas quantidade de drogas para o consumo pessoal, mas defende que o uso seja proibido e que a punição seja mais rigorosa do que prevê a legislação brasileira.

Numa recente entrevista ao programa Tambaú Debate, Deusimar aborda a questão das drogas, apresentando luz para diversas questões embotadas pela radicalização político ideológica, posições que poderiam muito bem nortear as discussões no Senado da República.

A seguir, a íntegra da entrevista:

A questão principal que vamos formular é a seguinte: todos sabem que as drogas estão aí, avançaram pra caramba. A política no mundo é de combate ao consumo e ao tráfico de drogas, política que vem desde o fim da Segunda Guerra Mundial, e a palavra combater é a mais usada. Mais recentemente, porém, já se fala que o mundo perdeu a guerra contra as drogas, a polícia perdeu, o Estado perdeu a guerra contra o tráfico. Em consequência, existe um movimento de liberação das drogas, nos Estados Unidos aprova-se o uso recreativo. Perdemos, de fato, essa guerra? É preciso mudar essa política? Onde estamos?

Você disse muito bem. Eu até nem gosto dessa frase: guerra contra as drogas, porque as drogas são uma substância inanimada, né? Ela não guerreia com ninguém, a substância em si. A droga não guerreia com ninguém; a guerra termina sendo contra as pessoas. Então, a sociedade muitas vezes discrimina muito o usuário de droga ou dependente e esquece da pessoa, do ser humano. Às vezes, se trata de um excelente pedreiro, um excelente pintor, um excelente jornalista, um excelente policial, que se envolveu com droga e tal e termina sendo aquela guerra contra a pessoa. A gente estimula o consumo muitas vezes, principalmente, das drogas licitas e depois discrimina quando a pessoa tá envolvido com a droga não lícita.

Eu digo sempre que essa política em relação às drogas não tem evoluído satisfatoriamente, porque ela termina sendo muito mais ideológica do que científica. A ciência, infelizmente, tem uma dificuldade muito grande de entrar na seara política. Isso é uma prática pode se dizer no mundo todo. Eu acho que a guerra não está perdida. O que precisa se mudar são as estratégias, porque tá provado que a repressão pura e simples, embora seja importante, a repressão ao tráfico eu considero importante, mas não é tudo.

Fiquei 30 anos na Polícia Federal exatamente fazendo isso. Se eu achasse que isso não era importante, seria 30 anos perdidos e eu não acho que foram perdidos. Mas o que falta é exatamente o poder público investir tanto quanto ou até mais na educação, na prevenção, informando as crianças desde os primeiros anos de vida para que exatamente elas evitem o consumo quando elas cresçam, elas cresçam informadas sobre os efeitos sobre as consequências disso pra poder tentar minimizar essa visão.

Essa política da liberação para o uso recreativo que os Estados Unidos estão fazendo, várias unidades federativas dos Estados Unidos, e que parte do mundo também está fazendo, ajuda nessa compreensão e na solução do problema das drogas?

Deusimar - Não. Não acho que ajude. Agora é o seguinte: uma coisa a gente tem que esclarecer à população, às pessoas que nos ver, uma coisa é descriminalizar o porte para consumo pessoal, outra coisa é liberar. Eu acho que o mundo caminha para a descriminalização, deixar de ser crime, podendo continuar proibido. Eu gosto do exemplo de Portugal, uma cultura muito parecida com a nossa. Desde 2001, Portugal descriminalizou o porte pra consumo pessoal, não o tráfico, mas o porte pra consumo pessoal. Descriminalizou todas as drogas para consumo pessoal, mas continuaram proibidas, inclusive a maconha, com medidas sócio educativas até mais duras do que as adotadas no Brasil. Por que qual é a pena hoje no Brasil mesmo que ainda seja crime? Qual é a pena para o porte para consumo pessoal?

Um trabalho educativo, participar de um trabalho educativo ou de um curso educativo, ou de um trabalho comunitário, ou uma repreensão do juiz. Em Portugal, onde não é mais crime o porte para consumo pessoal, mas é proibido algumas drogas como maconha, por exemplo, tem multas, suspensão de carteira de motorista, internação compulsória dependendo do caso. Agora, não é um juiz que vai julgar, é um grupo, uma comissão com pessoas - psicólogos, assistentes sociais, Ministério Público, entre outros agentes da sociedade, que vai aplicar essas medidas sócio educativas.

No Brasil, pelo que se ver, essa discussão que está aí no Congresso, da forma que ela é feita, é muito ideológica, não? Porque é um lado atacando o outro e não se não consegue aprofundar a discussão nesse sentido que você está expondo...

Deusimar - É ideológica e eu acho que ela não serve ao país. A gente teria que achar um meio termo. Todos concordamos que isso é um problema de saúde pública, sobretudo a questão da dependência, mas não é somente um problema de saúde pública. Ele é também da família, da segurança pública, porque quem alimenta a conta bancária dos traficantes é o usuário de droga, não se pode negar isso. Então, na minha visão o usuário precisa ser corresponsabilizado, mas com medidas sócio educativas humanizadas e voltadas pra desestimular o consumo e até pra tratar a doença, coisa desse tipo, e não pra penalizar.

Vamos formular uma questão que você deve estar cansado de pesquisar e de responder: o que motiva esse uso e esse avanço das drogas?

Deusimar – Pela sua imperfeição, o ser humano sempre teve essa tendência e sempre vai tentar fugir da realidade, especialmente quando ela não lhe é agradável. As causas vão desde a curiosidade à influência dos amigos, ou fugir de algum problema, mas, principalmente, a facilidade com que a droga chega. Então, quanto mais fácil o acesso a uma substância, mais ela é consumida, quanto mais flexível a sociedade for em relação a um comportamento qualquer, mais ele tende a se repetir.

Se a gente hoje, por exemplo, tem uma multa cara se andar sem o cinto de segurança, ou sem o capacete, ou avançar um sinal vermelho, você evita. Mas, digamos, que agora o direito individual vai prevalecer sobre o direito coletivo e que você pode andar sem cinto, será que vai aumentar o número de pessoas andando sem cinto de segurança ou sem capacete ou vai diminuir? Então, quanto mais a sociedade for flexível em relação também ao consumo de droga - isso aconteceu em relação a todos os países que flexibilizaram - aumenta o consumo e, aumentando o consumo normalmente, aumenta os danos à sociedade como um todo, sejam os individuais, sejam os sociais, porque é muito fácil defender o princípio da individualidade que a pessoa tem direito - até o próprio ministro Gilmar Mendes falou isso - ele tem direito de provocar danos a si próprio, isso é um direito do cidadão, mas o problema é que ele não provoca só a ele.

Eu sempre dou o exemplo seguinte: a pessoa encheu a cara de cachaça ali e saiu dirigindo o seu veículo embriagado, atropelou um grupo de pessoas que estava saindo da Igreja, ou seja, não foi um problema só dele. Ele terminou atingindo uma série de outras pessoas e essas pessoas acidentadas, que chegam nos hospitais, quem vai bancar são os impostos de todo mundo.

E a vida não é um direito disponível por aí...

Deusimar - O direito individual é extremamente importante - e eu como advogado também o defendo - desde que ele não se sobreponha ao interesse coletivo.

Você já falou aqui em drogas lícitas e há quem diga que elas são uma porta de entrada para as drogas ilícitas no Brasil. Procede?

Deusimar – Sim, principalmente, pela tolerância. As drogas sempre existiram, sempre vão existir, sempre vai ter pessoas consumindo drogas. O que a gente tem que achar é uma fórmula de convivência com as drogas. Eu nem gosto daquelas plaquinhas que, às vezes, vejo na cidade: “diga não às drogas”, “diga não ao crack”. Isso não funciona. Essa coisa mecânica. A gente tem que dizer um não com consciência. A maioria de nós é de adulto que bebe. Muitas vezes bebe e sai dirigindo seu veículo. Será que ele não tem a informação que aquilo é arriscado? A informação ele tem, o que tá faltando pra ele é a conscientização, e essa conscientização essa pessoa precisa massificar.

Campanhas na mídia, campanha nas escolas, em todos os lugares, para que a gente possa massificar essas mensagens e tentar minimizar esse uso abusivo, inclusive em relação às drogas licitas, porque quando se fala em educação sobre droga, nós temos que falar em relação à todas, inclusive aquelas drogas da farmacologia, as drogas terapêuticas. A gente usava no Brasil antibióticos demasiadamente há alguns poucos anos atrás. A Anvisa criou restrições para os antibióticos por conta dos males que estavam causando.

Conheci um jovem que se viciou com Biotônico Fontoura, virou dependente e perdeu a vida bem novo...

Deusimar - Diminuiu muito com as restrições mais recentes da Anvisa ao consumo de antibióticos no país e as doenças continuaram a ser tratadas do mesmo jeito, não houve prejuízo. Qualquer campanha séria, na minha visão, qualquer campanha séria em relação às políticas sobre drogas, elas têm que ser no sentido de diminuir o volume de drogas circulando, porque quanto mais droga circulando estiver, mais danos a sociedade. Eu comparo como fosse o mosquito da dengue, quanto mais mosquito voando, mais pessoas vão ser picadas, mais danos à sociedade como um todo.

Os mais jovem não têm conhecimento, mas as pessoas de média idade vão se lembrar que há menos de 30 anos o número de fumantes no Brasil era estúpido, era 60% ou mais. Hoje, se registra uma inversão total. A mudança total ocorreu por causa de políticas de educação vinculada à questão da saúde pública e uma ampla e agressiva campanha na mídia. Você acha que é possível campanhas dessa natureza pra conscientizar também sobre o uso de droga?
 
Deusimar – Sim, eu acredito que sim. Acho que Brasil é o país do mundo que mais diminuiu o consumo de tabaco nos últimos 30 anos e, e graças aquelas campanhas, né, que foram muito bem feitas, criaram restrições, fizeram uma campanha com imagens bem fortes na carteira de cigarro, proibiram o consumo e a propaganda do cigarro em ambientes fechados, a propaganda na televisão, programas de televisão e houve uma adesão. Eu acredito numa filosofia, na seguinte filosofia: o que vai ajudar, claro que a lei é importante, criando restrições é importante, mas não é uma lei mais dura ou mais branda que vai trazer a solução. Ela vai ajudar, mas não trazer a solução. Eu acho que o principal numa campanha educativa sobre droga é a adesão da sociedade. E isso o Brasil conseguiu em relação ao tabaco, que ainda assim é a segunda droga mais consumida. A primeira é o álcool. 
 
No seu livro você fala como, onde e como lidar com o problema das drogas. Talvez esse seja um dos grandes problemas da juventude. Como se deve lidar com a relação entre os jovens e as drogas?

Deusimar - A gente tem que aprender a lidar com as drogas, porque elas estão em todos os lugares. Infelizmente, elas estão em todos os lugares. Estão na Igreja, estão na praia, estão lá na festa... Elas já se se capitalizaram em todo sentido. Então, a gente tem que evoluir na forma de lidar. Eu acredito muito na educação. Você trabalhar desde a criança, desde os primeiros anos de vida na escola, os pais conversando dentro de casa, quando chega na escola, os professores também estão falando, no caminhão da escola, tem um outdoor lá falando sobre isso, quando ela estiver no cinema, antes de começar o filme tem uma mensagem educativa, quando a televisão estiver falando sobre isso. Não mensagens terroristas, assustadoras, mas dizendo a realidade sobre aquelas substâncias, para tentar desestimular o consumo. Acho que o principal trunfo para lidar com isso é se empreender o poder público, fazer a sociedade aderir a essa causa, com campanhas educativas, informativas para desestimular o consumo. Qualquer política que vier a flexibilizar ou que venha a glamourizar, como eu tenho visto uma glamourização muito grande em relação a maconha, deve ser desaconselhada. Por exemplo, maconha como medicamento: macoinha é isso, maconha aqui, quer dizer, glamourização não faz bem. Eu sou a favor das pesquisas, algumas substâncias extraídas da maconha tem dado bons resultados na farmacologia, mas uma coisa é extrair uma substância, outra coisa é o cara achar que a maconha fumada vai servir de medicamento.

Essa questão é mais para o psicólogo que você é: o que fazer quando o problema já está instalado, o jovem já está consumindo cotidianamente e praticamente dependente?

Deusimar - Aí precisamos ter um atendimento imediato, porque normalmente o dependente químico não aguenta ficar em fila de espera. Ele tem que bater na porta e ela tem que se abrir. É preciso melhorar a qualificação dos profissionais, porque eles muitos vezes não se sentem preparados, porque as faculdades não preparam para essa doença nova. A própria Organização Mundial da Saúde diz, nos seus últimos relatórios, afirma que o maior problema de saúde pública do mundo hoje são as drogas, o uso indevido de drogas. Então, a gente tem que ter equipamentos de saúde prontos com pessoas preparadas para atender esse público, seja na área de saúde ou na área social, já que muitas vezes a própria desestrutura familiar é um dos causadores desse problema também. A gente tem que ter, o poder público tem essa responsabilidade de dar um bom atendimento a esses que por acaso já estão envolvidos.
 
Pensamos que as drogas são, sobretudo, um problema de saúde pública. Mas, lamentavelmente, o poder público não consegue compreender e agir de acordo com a dimensão do problema...

Deusimar - Existe uma omissão generalizada. Eu costumo dizer que o maior problema em relação a essa causa das drogas não é nem o grande número de usuário ou de traficantes, mas a multidão de omissos que existe em relação a essa causa. Quando vem o período eleitoral são muitos discursos, a gente tá acostumado a ouvir isso, mas na prática mesmo a gente vai ver a mãe e o pai sofrendo, porque só quem tem a verdadeira noção da extensão que é o problema da dependência química é quem tem um dependente químico dentro de casa.

Imagem de wirestock no Freepik


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Josival Pereira

JOSIVAL PEREIRA, natural de Cajazeiras (PB), é jornalista, advogado e editor-responsável por seu blog pessoal.

Em sua jornada profissional, com mais de 40 anos de experiência na comunicação, atuou em várias emissoras Paraibanas, como diretor, apresentador, radialista e comentarista político.

Para além da imprensa, é membro da Academia Cajazeirense de Letras e Artes (Acal), e foi também Secretário de Comunicação de João Pessoa (2016/2020), Chefe de Gabinete e Secretário de Planejamento da Prefeitura de Cajazeiras (1993/1996).

Hoje, retorna à Rede Tambaú de Comunicação, com análises pontuais sobre o dia a dia da política nacional e paraibana.